sexta-feira, 16 de julho de 2010

As lições gerenciais de Dunga

O ex-técnico da seleção brasileira de futebol fracassou em seu cargo com muitos erros cometidos também no ambiente empresarial. Vale ficar atento a essas falhas para não repeti-las no seu negócio

Por André Acioli e Augusto Uchoa*

O Brasil caiu fora da Copa da África do Sul nas quartas-de-final, bem antes do que muitos brasileiros esperavam. Agora, com a nossa derrota e o fim do torneio, voltamos ao mundo de onde acreditamos ter saído por alguns breves momentos: o mundo corporativo. Mais calmos, analisamos o que, para nós, foi um despencar das ações do Brasil na bolsa futebolística mundial. Mas o que o fracasso da seleção comandada por Dunga tem a ver com as organizações? Que lições podemos tirar desse filme com final pouco feliz?

Objetiva e sucintamente, como deve ser toda análise, abordaremos os pontos que fazem de Dunga mais um mau gestor.

1- Não ouvir o mercado consumidor - Dunga virou as costas para a opinião de um país inteiro. Ele compôs um time, não uma seleção como outras que lá estavam. O mercado consumidor – nesse caso formado por expectadores, jornalistas, torcedores e peladeiros - esforçou-se ao tentar mostrar isso ao supremo gestor. Assim como em muitas empresas, os gestores parecem surdos às vozes do mercado, insistem em oferecer produtos conforme suas próprias percepções. Num mercado competitivo, a concorrência inova a cada minuto. Ganha credibilidade quem faz, se expõe e investe em produtos cuja qualidade possa ser testada, aprovada e comprovada pelo mercado. Dunga convocou e pôs em campo produtos/jogadores de qualidade duvidosa (assim entendido pelo mercado). Não eram produtos que encabeçariam a lista dos top of mind de qualquer brasileiro; eram sim, os que ele, Dunga, gostava mais.

2- Levar a seleção (ou empresa) a perder a identidade – A seleção brasileira perdeu a identidade, teve seu DNA alterado, e jogou de uma forma diferente. O Brasil esqueceu o futebol ofensivo. Uma seleção que a história mundial reconhece como aquela que joga avançada, que ataca e que objetiva o gol parece ter perdido o foco. Jogar bonito e fazer gols sempre estiveram associados ao futebol brasileiro; vencer era consequência. No mundo corporativo, é o mesmo que uma empresa nascer e crescer com o DNA dos seus idealizadores, focada na satisfação do cliente, e que, como num toque de mágica – e das ruins – passa a ter foco no produto, abandonando tudo o que a fez adorada pelo mercado e, remando contra a corrente, passa a se preocupar mais com preço do que com valor.

3- Inutilizar o poder da marca - A marca Brasil é vitoriosa, invejável e intocável. O Brasil é penta! O certificado de qualidade da seleção brasileira de futebol é tão forte quanto o de uma multinacional. Tivemos produtos como Garrincha, Nilton Santos, Vavá, Zico, Pelé. Dunga não soube explorar bem o poder do branding que, dentre outras coisas, serve até para inibir a concorrência. Na verdade, a descaracterização da marca, traduzida pela relação de produtos que apresentou, gerou efeito contrário. A marca Brasil passou a ser vista pelos concorrentes como algo a ser humilhado, um Golias, agora fraco. Quantas não são as empresas cujas marcas, ainda de pouco valor percebido, aproveitam-se dos espaços deixados pelas maiores e mais fortes. Num mercado competitivo e globalizado, qualquer empresa, de qualquer nacionalidade, pode explorar a demanda fomentada pela líder e se beneficiar disso, principalmente quando a líder, fragilizada pelas falhas que lhes percebem os tradicionais consumidores, deixa de satisfazê-los.

4- Não saber lidar com a pressão da função – Dunga era um gerente. Você conhece algum gerente que não trabalhe sob pressão? Muitos, assim como ele, se veem obrigados a suportar também altas doses de tensão. Há quem diga que o gerente de uma grande empresa sofre o “efeito-sanduíche”, pressão de cima (diretores, acionistas) e de baixo (linha de frente, subordinados). Isso nos parece lógico. No caso do nosso técnico, Dunga não se mostrou suficientemente preparado para atingir as metas que lhe foram estabelecidas, mostrou falta de inteligência emocional, incomodou-se com a pressão e com a tensão inerentes ao cargo, xingou, debochou de quem poderia ampará-lo - a mídia - e, ainda pior, atestou sua incompetência para diretores e acionistas (FIFA, CBF e povo brasileiro). Bem, pelo menos diretores são menos temidos que a mídia. Dunga ficou sem palavras quando tentou justificar sua opção por produtos outros que não os reclamados pelo mercado consumidor: Neymares, Gansos e Ronaldinhos Gaúchos, por exemplo. Todos os antecessores foram submetidos a igual ou pior pressão e souberam lidar melhor com ela.

5- Tomar como base para a qualidade mercados pouco competitivos - O Brasil venceu a Copa América, das Confederações e a Sul-Americana. Mesmo com DNA alterado, sem brilhantismo e esquema tático convincente, teve bons resultados. Isso acontece quando os produtos são testados em mercados menos competitivos, menos exigentes. Sem muita margem e sem gordura, bateram as metas propostas pelos acionistas. Venceram. Todos têm motivo para ficar felizes, mas não eufóricos. Os bons resultados obtidos em maus mercados criam falsas ilusões de que igual sucesso acontecerá em outras praças. Exatamente essa falácia credenciou a arrogância do gerente em manter uma equipe medíocre, sem os melhores. Dunga bateu metas trimestrais nos mercados em que era líder, mas não foi capaz de crescer no trimestre pico da sazonalidade, no momento mais importante para construção do seu resultado anual de vendas (a Copa do Mundo).

6- Ignorar a necessidade de um plano alternativo – Vendo que os resultados trimestrais não se repetiriam no resultado anual, Dunga deveria ter partido para a execução de um plano alternativo que, decerto, já teria sido hipótese aventada por qualquer gerente pouco mais competente. Dunga foi gerente de um plano só. A mudança do cenário fez com que concorrentes sem tanta expressão ganhassem força competitiva. Nossos melhores produtos, Kaká e Luís Fabiano, não estavam, certo momento, disponíveis no estoque. A demanda existiu. Havia produtos substitutos? Que não perfeitamente substitutos, mas havia produtos que proporcionassem benefícios adicionais, tais como maior velocidade, melhor lançamento ou toques mais precisos? Não, não havia nada disso. Demandas de mercado não atendidas por sua empresa acabam sendo atendidas por outra. Não se pode subestimar a demanda, principalmente quando se trata de um produto tradicional, reconhecidamente de qualidade. O mercado tinha expectativas de ver a seleção brasileira. Expectativas frustradas, clientes insatisfeitos. Não havia no plantel produtos com qualidade suficiente para atender tal exigente demanda. Dunga não tinha uma equipe razoável para variar esquema tático nem substituir jogadores quando precisasse. A seleção brasileira foi uma empresa engessada, como é o raciocínio do seu gestor. Assistimos todos, via satélite, a ascensão de outras equipes que souberam se adaptar ao novo mercado e explorar as fragilidades das antigas concorrentes.

8- Agir como um gerente à moda antiga– Dia 2 de julho. Fim de jogo. O Brasil é eliminado pela Holanda. Com o objetivo não atingido, não cabe apontar culpados ou atribuir à confluência dos astros o triste resultado. Os produtos não foram capazes de gerar os resultados de venda e participação de mercado conforme todos esperavam. Com hombridade, um bom gestor, líder de sua equipe e defensor dos ideais coletivos, imputaria a si próprio a escolha errada pelo portfólio de produtos e pelas errôneas estratégias adotadas. Alentaria sua equipe e, provavelmente, reuniria acionistas, diretores e grupos representativos de clientes para declarar suas falhas e sua incapacidade – fosse ela técnica ou psicológica – de, naquela situação, atingir o que dele era esperado. Somos humanos, falhamos. Assumir as próprias falhas é ser responsável, é atitude nobre, é deixar as portas abertas. Mas ser nobre seria esperar muito do nosso treinador. Vê-lo, como num gesto de gratidão, cumprimentar sua equipe ou, como de educação esportiva, reconhecer a superioridade do seu concorrente é hipótese sem propósito para quem, ao se deparar com empecilhos, mostra que não está preparado para o sucesso. Em passos firmes e largos, sem olhar para trás, Dunga abandona o campo imediatamente após o apito final. Isso, é voltar à “Era Ford” e dizer que o produto jamais será customizado porque à empresa não importa atender as necessidades ou desejos de seus clientes. Para vocês, clientes, o meu total desprezo.

* André Acioli é administrador, mestre pelo Coppead-Ufrj, consultor de empresas e professor universitário. Augusto Uchoa é formado em marketing, mestre pelo Ibmec, consultor de empresas e professor universitário

Fonte: Pequenas Empresas Grandes Negócios

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