segunda-feira, 26 de julho de 2010

Bodas de um litúrgico Bispo emérito de Nova Friburgo celebra meio século de sagração e 93 de vida neste domingo, no Recife

Jailson da Paz
jailsonpaz.pe@dabr.com.br

O Recife tem significado especial para dom Clemente Isnard. Bispo emérito da Diocese Católica de Nova Friburgo, no Rio de Janeiro, ele encontrou em bispos locais, a partir dos anos 60, bons amigos. Leia-se, dom Helder Camara e dom José Lamartine. O primeiro, arcebispo de Olinda e Recife por mais de duas décadas (1964-1985).

Dom Clemente Isnard é considerado uma das referências da Igreja no Brasil.
O segundo, o auxiliar de dom Helder. Dessas duas "figuras", dom Clemente guarda recordações e lições que julga importantes para a sua vida e a da Igreja. Por isso e pelo que chama de acolhimento da cidade, o bispo emérito celebra neste domingo meio século de sua sagração como bispo e 93 anos de idade. A sagração ocorreu exatamente num dia 25 de julho, mas de 1960, quando o papa era João XXIII.

A escolha do templo para a celebração deste domingo é emblemática. Às 10h, dom Clemente junta-se a padres, bispos e leigos amigos na Igreja das Fronteiras, no bairro do Derby, local em que, por mais de 20 anos, dom Helder morou e celebrou missas. Diga-se morou na igreja porque, de fato, o quarto do ex-arcebispo de Olinda e Recife era colado aos fundos do altar-mor do santuário secular. "O Recife me acolheu. E onde somos acolhidos se torna uma extensão da nossa casa", sintetiza o bispo emérito. Nascido no Rio de Janeiro, ele se formou em ciências jurídicas e sociais, mas preferiu seguir o caminho da religião. A princípio, no Mosteiro de São Bento da cidade em que nasceu e recebeu como nome de batismo José Carlos Gouvêa Isnard. Clemente veio pela opção religiosa.

Dom Clemente notabilizou-se na Igreja Católica pelos trabalhos na área de liturgia. Estudiosos do assunto o incluem entre os maiores liturgistas da instituição. Não só no Brasil, onde esteve à frente de projetos da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). No exterior, tornou-se reconhecido pela atuação no Concílio Ecumênico Vaticano II (1962-1965). Ele participou de todo o concílio, sendo membro do Conselho para Execução da Constituição de Liturgia (1964-1969). Em uma de suas cartas circulares, enviada durante o Concílio para os amigos do Rio, dom Helder classificou o trabalho de dom Clemente como melhor do que o de liturgistas mais renomados internacionalmente naquele momento. O bispo emérito acha o elogio desproporcional à sua competência. Quem o conhecece sabe que não.

Graças ao trabalho com liturgia, dom Clemente convidou dom José Lamartime para atuarem juntos na CNBB. Essa conferência e o Concílio o aproximou também de dom Helder. Em comum, os dois tornaram suas dioceses em lugares para se experimentar as renovações propostas pelo Concílio. Tanto na liturgia quanto na abertura da Igreja para uma participação maior dos leigos. "Fiz algumas coisas e faria mais profundas hoje, na CNBB e na diocese. Não utilizei tudo o que o Concílio abriu", avalia. Pode não ter feito tudo, mas o que fez costuma ser citado como referência na história da Igreja Católica no Brasil. Por coisas assim, esse beneditino celebra neste domingo tantos anos de vida. Dela, 34 anos (1960-1994) foram dedicados à Diocese de Nova Friburgo.
 
Entrevista // dom Clemente Isnard "O padre deve inspirar famílias"


Ele não é homem de meias palavras. Aos 93 anos, a voz pausada e forte costuma também ser firme nos seus pontos de vista. Nos livros em que publicou, questiona a posição da Igreja frente a pontos polêmicos como o papel de bispos auxiliares e de títulos que considera apenas ilustrativos, a exemplo de cônego. Diante da crise enfrentada pela Igreja, por causa das denúncias de pedofilia envolvendo padres e bispos, ele é firme. Defende tratamento dos sacerdotes, mas é enfático ao dizer que é preciso punição pela lei dos homens. Tudo isso, segundo ele, são percalços que a Igreja precisa enfrentar. E ele, se a vida podesse recomeçar, faria a mesma opção de viver no seio da Igreja.

A Igreja errou em que, com tantas denúncias de pedofilia?

Os problemas da Igreja são complexos. Muita coisa precisa ser analisada. É uma história que passa pelo celibato, mas que não se resume a ele. O padre por ser pessoa de confiança na sociedade deve inspirar famílias. Vejo com preocupação esse assunto.

Para alguns, a Igreja foi ingênua, nos EUA, ao achar que um edido de perdão dos padres resolveria...

Perdão só não importa. Ele pode pedir a Deus, mas nunca se resumir a isso. Quem comete um ato desses (pedofilia) deve também responder com base nas regras da sociedade, afinal mexe na vida de crianças e de famíllias.

O Concílio Vaticano II tratou de temas ligados a sexualidade dos padres?

O Concílio tinha os assuntos primeiros, apresentados pela Cúria. Mas os bispos que foram para o Concílio levaram suas preocupações. E o papa Paulo VI, na época, não achava que a Igreja estava madura para discutir o assunto Ele conversou com os bispos e, depois de convencidos, muitos que queriam discutir o assunto tiraram suas assinaturas dos documentos. E muitos problemas deixaram de ser tratados.

Naquele tempo já se falava do assunto abertamente?

Já havia a preocupação de uns bispos.

O fato do tema sexualidade não ter entrado em discussão trouxe perdas ou ganhos para a Igreja?

Acho que a Igreja perdeu. Tinha sido melhor, salvo a reverência ao papa Paulo VI, tratar do assunto. Mas com o assunto, o Concílio teria durado mais um ano. E o papa estava preocupado com as despesas que eram muito altas. Não era fácil lidar com o Concílio daquele tamanho.

Se fosse no passado, o senhor pensaria em não ser mais padre?

Eu não teria outra opção. Minha opção foi muito refletida. Na vida a gente precisa estabelecer uma marca. E os 50 anos de bispo é isso.
 
Fonte: Diário de Pernambuco

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