segunda-feira, 13 de setembro de 2010

Fome: crise pode voltar

ALBERTO TAMER - O Estado de S.Paulo

A ONU alertou esta semana para o risco de uma nova crise mundial de alimentos. Não será por falta de produção, pois devemos ter a terceira maior safra de grãos da história este ano, mas pela explosão dos preços provocada por incêndios na Rússia, inundações no Paquistão e seca em grande parte da Ásia Central. Com o atraso do plantio, não há como prever as próximas safras e reduzir a tensão. O preço do trigo aumentou 75% pela quebra de 38% na produção da Rússia. O preço do milho, mais de 16%. Tudo isso repercute negativamente sobre a cotação das carnes em geral. Nesta semana, a ONU conclui e divulga o levantamento da média das cotações das commodities agrícolas, mas o índice da The Economist aponta para níveis superiores a 12%.

China. Outro fator decisivo na formação dos preços dos cereais e da carne é a agressiva política da China de subsidiar o consumo interno e continuar aumentado os estoques, já elevados, apesar da alta das cotações internacionais. Para o governo chinês, não é questão de mercado, mas de segurança alimentar.

Especulação, causa ou efeito? Este é o cenário ideal para aumentar ainda mais a especulação com os preços futuros, que surge como causa e efeito. O que produz e incentiva a especulação? A queda das safras ou as manobras no mercado financeiro com os preços das commodities? Para a ONU, esse processo que se autoalimenta só pode ser contido se houver um grande aumento da produção mundial não apenas neste ano, mas nos próximos, afirma Olivier De Schutter, relator das Nações Unidas para Alimentos. Para ele, poderemos ter a repetição da crise de 2007 e 2008, quando a fome se alastrou pelos países mais pobres.

Fome de 1 bilhão. Na crise anterior, a FAO e o mundo foram pegos de surpresa, diz Schutter a Jamil Chade, correspondente do Estado, em Genebra. Na ocasião, o correspondente escreveu um livro-reportagem exemplar, O mundo não é plano, a tragédia silenciosa de 1 bilhão de famintos, que é agora um dos mais fortes finalistas do Prêmio Jabuti, na categoria reportagem.

Para Olivier De Schutter, o problema não são apenas os desastres naturais. "A inflação é fortalecida pela especulação que, pouco a pouco, consome a renda das famílias", afirma ele.

Só que, desta vez, a especulação surgiu exatamente pela queda das safras russa e asiática. Para a ONU, como na crise anterior, nada se fez para aumentar a produção mundial de grãos e carne, que poderia ter evitado o aparecimento desse movimento especulativo. A ONU não sabe ainda exatamente quem provocou o quê. Pelo sim ou pelo não, é bom alertar para não dizer que não fizemos nada...

E agora. Burocraticamente, a ONU vai realizar mais uma reunião, no fim do mês, em Roma. Quer revisar o volume de estoques de grãos em sua posse e nos países consumidores e pedir sugestões. Não vai adiantar muito. Na grande crise de 2007 e 2008, também fizeram reuniões dramáticas. A fome assustava o mundo. Todos se comoveram, os governos se solidarizaram. Obama chegou a convencer os países desenvolvidos a aprovar um plano de US$ 15 bilhões para ajudar o desenvolvimento da agricultura mundial.

O que foi feito? Nada. "Os doadores não cumpriram a promessa. A falta de vontade política e a perda de um sentido de urgência inibiram de forma inaceitável a tomada de medidas para evitar crises futuras", afirma Schutter. Se antes, no auge da crise, não fizeram nada, por que fariam agora? Só que hoje, ONU e FAO preferem não falar em crise para não agravar a situação. "Se dissermos que é uma crise alimentar, a situação se transformará imediatamente em crise alimentar", afirma Abdolreza Abbasdiann, economista da FAO. Mas se não é uma crise, o que é então?

Preferem chamar de "reunião mundial para lidar com a volatilidade dos preços dos produtos agrícolas no mercado e limitar a ação dos especuladores..." Mas como? Isso não se evita investindo no aumento da produção? E se não se fez nada quando o mundo se comovia com a fome em 2008, porque fariam agora, com Europa e EUA ainda lutando com a recessão? Mas a ONU tem um argumento: não se esqueçam que eu avisei...

Fonte: Estadão.com.br

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