segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

A vida de quem não tem um lar

Diante das últimas mortes de moradores de rua, passar as noites no albergue virou questão de sobrevivência

Valdete Calheiros – Repórter

Cinco moradores de rua já morreram em Alagoas neste ano. Foram quatro na capital e um no interior. No ano passado, foram 22 assassinatos, dos quais 20 em Maceió.

Os números são da Secretaria Municipal de Direitos Humanos, Segurança Comunitária e Cidadania. A quantidade de casos impressionou a Presidência da República e organismos internacionais de direitos humanos que se manifestaram sobre o assunto cobrando respostas para os casos.

Enquanto as investigações avançam – ou não – a equipe de reportagem de O JORNAL acompanhou, por duas semanas, a rotina, durante a madrugada, manhã e noite, dos moradores e moradoras de rua que encontram abrigo, banho, alimentação, dormida e mais algumas horas de garantia de vida e dignidade no Albergue Municipal Professor Manoel Coelho Neto, vinculado à Secretaria Municipal de Assistência Social (Semas), e localizado no Poço, nas imediações da Maternidade Escola Santa Mônica.

Além dos funcionários do albergue, foram ouvidos moradores e moradoras de rua com histórias diversas, relatos emocionados e emocionantes, confissões de uma “vida bandida” marcada pela autoria de crimes, inclusive homicídios, dependência química e fatos marcantes da trajetória de vida de pessoas que, na maioria das vezes, tem apenas a própria “roupa do couro” como bem material.

A maioria dos relatos foi feita de forma espontânea. Ao ver a equipe de reportagem trabalhando, muitos se aproximavam e diziam “eu quero falar. Deixe em falar”. Muitos moradores têm necessidade de conversar, ou melhor, de serem ouvidos.

De todos os moradores ouvidos, poucos não expuseram suas histórias com a cara, a coragem e o nome de batismo. Apenas três não revelaram sua verdadeira identidade. Um não quis dizer seu nome, outro se apresentou apenas como Júnior e um terceiro disse o nome usado para vender seu corpo na rua.

A moça do vestido – De cada dez palavras que fala, Célia Maria da Conceição usa 12 para pedir um vestido. Sem nenhuma ideia sobre sua idade, a mulher, de corpo franzino, sabe apenas que nasceu na cidade de São Luiz do Quitunde.

“Você pode trazer um vestido para mim? É que eu só gosto de mim quando estou de vestido”, pediu à reportagem. Célia Maria disse que pelas suas contas está na rua há quatro anos, mesma idade de seu filho que lhe foi tomado dos braços pela mãe.

“Minha mãe tomou ele de mim. Também, tava certa. Eu bebia muito. Agora, sou evangélica e só vivo para o pastor. Mas só gosto de ir para o culto de vestido”, afirmou, voltando a repetir sua palavra preferida.

Célia Maria disse sentir muita vergonha do tempo em que bebia e vivia na rua. Ela recorda que “já andei arrastando a bunda no chão. Nua mesmo. Fui atropelada, tive meus documentos roubados. Passei uns quatro dias sem comer. Estou feliz agora. Meu sonho é arrumar um emprego”, desabafou.

Uma opção de vida – Paulo de Tárcio Araújo dos Santos disse que está morando na rua porque quer. Aos 52 anos, ele disse que não suportou morar com o filho e receber ordem todos os dias.

Nascido em Pão de Açúcar, antes de ir ao albergue morava com o filho e a nora no Farol. “Estou aqui porque é melhor para mim. Ninguém a não ser eu mesmo manda em mim. Sonho com uma casa própria e vários sapatos, mas um dia em consigo”, afirmou Paulo que está de volta ao albergue há um mês depois de já ter usado os serviços por dois meses na primeira vez.

Um sobrevivente da tragédia de Nova Friburgo, no Rio de Janeiro – O mecânico Edvaldo Costa de Jesus, 35, nasceu em São Luiz do Maranhão e morava em Nova Friburgo, no Rio de Janeiro, com a mulher e uma filha de quatro anos.

As duas morreram quando a casa da família desabou com as chuvas que caíram na região serrana do Rio na primeira quinzena de janeiro. Sozinho e sem rumo, o mecânico disse que veio a Alagoas na tentativa de localizar uma irmã.

“Sei apenas que ela mora no Feitosa. Vim com pouco dinheiro. Era tudo o que eu tinha na carteira no dia da tragédia. Gastei tudo tentando achá-la. Dormia em uma pousada e pagava R$ 15,00 por noite. Meu dinheiro acabou, procurei a polícia que me trouxe para cá”.

Edvaldo de Jesus contou que tinha casa própria, carro e emprego em um mercadinho. Ganhava quatro salários mínimos por mês. A família do patrão também morreu na tragédia. O mecânico disse que sobreviveu porque saiu de Nova Friburgo para a capital fluminense, distante duas horas, para fazer compras e reabastecer o estabelecimento comercial em que trabalhava.

“Quando voltei, a caminhonete já não passava mais pela minha rua. É Deus quem me dá forças agora. Não choro mais. Não tenho mais lágrimas. Penso na minha mulher e na milha filha sempre que vou dormir. Tinha oito anos de casado. Tenho que tocar minha vida. Consegui emprego de mecânico. É um setor que precisa de muita mão-de-obra em Alagoas. Meu patrão disse que irá assinar minha carteira de trabalho. Mas, antes, terei 45 dias de experiência”, adiantou.

Fonte: O Jornal - Alagoas

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comente livremente, mas sem abusar do critério da livre escolha de palavras. Assuntos pessoais poderão ser excluídos. Mantenha-se analítico e detenha-se ao aspecto profissional do assunto em pauta.