segunda-feira, 21 de março de 2011

A incrível fábrica de ideias

Por Josh Dean
ELE NÃO TEM OS PÉS NO CHÃO

O engenheiro australiano Saul Griffith na sede de sua empresa, em São Francisco: exemplo de caos produtivo

Como qualquer outro mortal, Saul Griffith costuma ter ideias enquanto caminha. Mas, ao contrário das outras pessoas, Griffith faz isso com uma frequência extraordinária. Suas ideias abrangem uma enorme variedade de áreas, da matemática avançada a triciclos para crianças. E o mais importante: ele tem a capacidade e a disposição para levar todas essas ideias adiante. Enquanto a maioria das pessoas divaga, Griffith faz.

“Minha vida é um laboratório vivo”, diz. O barbudo australiano de 35 anos é um espécime raro no mercado: uma mistura de inventor e empresário, com um talento especial para identificar as coisas de que o mundo precisa, criá-las e vendê-las. Por falta de um termo melhor, ele é um “invempresário”. “Saul é um inventor nato”, diz Neil Gershenfeld, diretor do Centro de Bits e Átomos do Massachusetts Institute of Technology e um dos orientadores de doutorado de Griffith na universidade. “Ele inventa do mesmo modo que a maioria das pessoas respira. Para ele, é a coisa mais natural do mundo.”

COVIL CRIATIVO


No dia em que a Fundação MacArthur entregou a Griffith uma de suas famosas “bolsas gênio”, em 2007, o cientista foi apresentado como um “prodígio da invenção a serviço da comunidade mundial”. O texto citava seu trabalho no MIT — ainda como aluno de graduação, ele demonstrou que as máquinas podiam se “montar” sozinhas. Além disso, criou um sistema de moldagem baseado em membranas que seria usado para a produção em massa de lentes corretivas baratas (que deu origem à empresa hoje conhecida como OptiOpia). Criou ainda desenhos engraçados e instrutivos, conhecidos como Howtoons, que seriam usados na educação científica de crianças. Por fim, inventou uma série de dispositivos inteligentes no Squid Labs, o extinto laboratório de pesquisas na Área da Baía de São Francisco que um dia foi sua base.

Quando o visitei em São Francisco, no final de 2009, Griffith estava no meio de uma mudança. Ele havia acabado de deixar para trás sua última empreitada, uma ambiciosa empresa de energia alternativa conhecida como Makani Power, e estava abrindo sua nova companhia, a Other Lab. Não é fácil tentar definir o que a Other Lab faz. Você poderia chamá-la de incubadora, mas Griffith detesta o termo. Você também poderia chamá-la de “covil do cientista louco”, e não estaria muito longe da verdade. Mas talvez o melhor seja dizer que a Other Lab é uma oficina onde invenções são lançadas e testadas, na esperança de que se tornem produtos que serão vendidos ou se transformarão em empresas.

Hoje em dia, nada preocupa mais Griffith do que o aquecimento global. Tanto que alguns de seus projetos mais importantes estão ligados ao tema. É o caso da WattzOn, também conhecida como a melhor e mais amigável calculadora de carbono do mundo. Tudo indica que a WattzOn pode se tornar uma empresa próspera. Mas, por enquanto, trata-se apenas de uma ferramenta on-line gratuita, que traz análises detalhadas de como suas atitudes impactam a natureza. No caso de Griffith, as tais análises mudaram radicalmente sua vida: ele deixou de dirigir, parou de comprar vinho importado, cancelou a assinatura do New York Times e trocou sua secadora de roupas por um varal. “Estou trabalhando para eliminar totalmente o carbono da minha vida”, diz.

Como um inventor se encaixa no mundo dos negócios? Por um lado, você poderia pensar nele como o empreendedor perfeito: tudo o que ele cria é uma empresa em potencial. Mas há quem tenha dúvidas — com tantas ideias na cabeça, será que o “invempresário” vai encontrar o foco necessário para criar uma empresa de sucesso? Para Mark Rice, professor de livre empresa no Babson College e de empreendedorismo tecnológico na Faculdade de Engenharia Olin, o dilema não existe. “Os bons inventores fazem as duas coisas: exploram diferentes áreas, mas sabem o que é importante”, diz. “Muitas vezes, a inovação surge quando você conecta universos diferentes. Se você está focado apenas em uma área, isso pode não acontecer.” Para Rice, seria um desperdício, caso Griffith se limitasse a um único projeto. “A verdadeira inovação envolve muito mais erros do que acertos.”

JOGO HI-TECH


Griffith já percebeu que, para ser um inventor/empresário, é preciso aceitar que, na maior parte do tempo, você estará à frente do mercado. Então, a solução é criar, exibir sua invenção para o mundo e daí vendê-la o mais rápido possível para uma empresa disposta a produzir e comercializar a ideia na escala adequada. O sistema tem funcionado. Dono de uma vasta propriedade intelec­tual, ele sofre uma pressão mínima para gerar receita em curto prazo. Dinheiro nunca foi problema: ele sempre conseguiu atrair bolsas, investimentos ou contratos de consultoria.

Bancadas de trabalho apinhadas de objetos, bicicletas e suas peças espalhadas pelo chão e dois arquivos enormes, contendo o que parece ser todo o tipo de parafuso, porca, válvula e prego já fabricados no planeta Terra: assim é a sede da Other Lab, instalada em um prédio industrial sem nenhum atrativo no bairro de Dogpatch, em São Francisco. É nesse caos que trabalham os três sócios da empresa: o engenheiro-mecânico Griffith, chamado pelos colegas de cientista-chefe; Jim McBride, um colega de pós-doutorado no MIT e o físico da casa; e Jonathan Bachrach, que carrega o título de engenheiro de software — na prática, é um artista que estudou psicologia cognitiva, ciência da computação e artes visuais.

Uma das primeiras coisas que Griffith faz quando chega ao trabalho é retirar seus Crocs. Durante o resto do dia, ele trabalha descalço, em uma oficina cheia de pregos, lâminas e lascas de madeira. “Existem dois jeitos de garantir a sua segurança”, diz. “Existe o modelo ‘armadura’: botas com bico de aço e capacete. Ou então anda nu e presta atenção no seu entorno. Esse é o estilo ninja. Eu sou ninja.”

Griffith e Bachrach têm uma videoconferência marcada com um dos maiores fabricantes de brinquedos do mundo, sediado na Alemanha. Mas há um problema: o modelo que prometeram mostrar não está pronto. Logo, os dois se reúnem e começam a trabalhar em um modelo de papelão que mais parece uma peça de um quebra-cabeça gigante. Enquanto isso, Bach­rach explica para mim que o que torna o Other Lab eficaz é sua facilidade para produzir protótipos. O sócio de Griffith diz que se inspirou em um amigo que fabrica brinquedos. “Ele vai produzindo protótipos e os guarda em um armário. Quando o mercado parece pronto para um tipo específico de brinquedo, ele pega um e o vende. É o que queremos fazer também. Queremos trabalhar em uma casa cheia de ideias bacanas.”

Logo descubro que muitas das coisas que encontro no Other Lab estão relacionadas a um projeto da Darpa sobre matéria programável. Darpa é a sigla em inglês da Agência de Projetos de Pesquisa Avançada da Defesa, o famoso laboratório federal de pesquisa em que ideias malucas são perseguidas até que se tornam não tão malucas. Griffith me conta que está trabalhando com uma “matemática e peças tridimensionais”. Pergunto o que isso quer dizer, e ele me apresenta um software criado por Bachrach. Usando o software, eles podem desenhar praticamente qualquer objeto e então imprimi-lo em peças, de modo que ele possa ser montado em 3D.

A primeira aplicação prática desse conceito é o quebra-cabeça em 3D. Aqui e ali há elefantes e dinossauros de plástico que parecem infláveis, mas na verdade são quebra-cabeças feitos de peças plásticas que se encaixam. “Qual seria a aplicação desse software nas empresas?”, pergunto. “Não tenho certeza”, diz Griffith. “Facilitar a montagem de carrocerias de carros, talvez? Às vezes você gosta de uma ideia pelo que ela é, e daí entrega para alguém descobrir o que fazer com ela.” Para nós, seres mais lineares, seria quase impossível tirar um dia produtivo dessa bagunça. Mas Griffith não tem nada de convencional. “Eu te prometi alguma coisa além de caos? Se fiz isso, sinto muito”, diz.

PIPAS AO VENTO


“Nos últimos dois anos e meio, trabalhei com projetos ligados à energia em grande escala”, diz Griffith, enquanto mastiga uma fatia de pizza. “A ideia é produzir elétrons em quantidade maciça, de maneira inteligente.” Era esse o objetivo da Makani Power, sua última empresa. Para tanto, ele inventou uma maneira inédita de captar a energia do vento — pipas robóticas, que voariam entre mil e cinco mil pés, transformando o vento em energia por meio de uma turbina. Uma frota de pipas Makani poderia abastecer uma cidade, segundo Griffith. A companhia recebeu US$ 15 milhões em investimentos do Google. Um protótipo testado no Havaí gerou energia suficiente para abastecer cinco residências americanas. Mas veio a recessão e os investimentos secaram. “Tivemos de reduzir os custos para sobreviver.” A reviravolta desanimaria muita gente, mas Griffith enxergou ali uma oportunidade. Para reduzir de vez o orçamento, fez um último corte: ele mesmo. “Sou um funcionário caro”, diz, entre risos. Como fundador, ele continua envolvido na tomada de decisões, mas não participa mais do dia a dia. “É questão de tempo, até que alguém faça da energia eólica em grande altitude um sucesso comercial”, diz Griffith.

Já com milhões de novas ideias na cabeça, o empresário reuniu alguns amigos com quem gostaria de trabalhar. Pensei: “Temos algumas ideias interessantes. Podemos sobreviver. Vamos criar o Other Lab”. Entre as primeiras ideias, estava o software de modelagem em 3D. Como capital inicial, ele usou a bolsa de US$ 500 mil da MacArthur. O primeiro projeto veio justamente da Darpa. “Eles me disseram: ‘Nós gostaríamos que vocês construíssem o Exterminador do Futuro 2’. [Nota da redação: o Exterminador, para quem não conhece o filme homônimo, era uma espécie de gosma prateada que podia assumir qualquer forma]. E aí me deram um exemplo: ‘Não seria ótimo se os soldados tivessem uma chave de fenda que se transformasse em macaco?’” Diante da proposta futurística, eu caio na risada. Ele não. “Existe uma profunda relação entre informação e estrutura”, diz Griffith.” Isso não é fácil de entender, mas o essencial é que Griffith e Bachrach ainda não criaram o Exterminador do Futuro, mas fizeram alguns gorilas em 3D. E, daqui a alguns meses, poderão mudar o modo como os carros são montados. “Estamos trabalhando com a ideia de que podemos construir um mecanismo sintético análogo ao DNA”, diz Grif­fith. “Eu fiz uma corrente que pode se dobrar em qualquer forma 3D, um fio de poliedros. Escolhendo uma curva à direita ou à esquerda em qualquer dobradiça, ele pode gerar qualquer forma. Desenvolvemos uma matemática muito elegante para fazê-lo.”

Por mais que Griffith seja excêntrico, ele faz questão de deixar claro que a ciência com que lida é séria. Claro, ele está se divertindo com pipas e quebra-cabeças, mas o que quer mesmo é encontrar uma forma sustentável de gerar energia para o mundo. “Todo dia me pergunto se estou trabalhando nas coisas certas”, diz Griffith. Entre erros e acertos, ele ainda espera criar algo que cause impacto sobre o aquecimento global. “Tenho o mesmo problema de todos os empreendedores, que é achar o ponto de encontro entre as coisas que eu quero fazer e as coisas que são comercializáveis. Quero ter prazer no que faço. Todo mundo quer. Mas não é fácil.”

CRIAÇÕES EM 3D QUE PODEM MUDAR O MUNDO


No Other Lab, Griffith cria protótipos em 3D. O objetivo é inventar uma matéria programável, que possa assumir diferentes formas

PLACAS DE ORIGÂMI

O projeto utiliza materiais ultraleves e altamente eficientes, que podem ajudar as empresas a economizar energia

CURVAS ESPACIAIS

Os desenhos são para uma corrente 3D capaz de criar qualquer forma. É daqui que deve partir o projeto que dará origem à matéria programável

AEROFÓLIO INFLÁVEL

O objeto triangular faz parte de um estudo em 3D para um aerofólio ou asa. O objetivo é verificar o tipo de distorção que pode ocorrer quando a asa é inflada

TRICICLO SUPERIOR

Os desenhos são para um projeto pessoal: um triciclo de qualidade superior para transportar crianças

BOLA PLANA

Este é o primeiro teste de um programa de software que tem como objetivo transformar objetos tridimensionais em peças planas

AS INVENÇÕES DE GRIFFITH


ROBÔS NO CÉU

O engenheiro inventou uma maneira inédita de captar a energia do vento: pipas robóticas que voariam entre mil e cinco mil pés, transformando o vento em energia através de uma turbina e transmitindo-a para a terra por meio de um cabo

LENTES MÁGICAS

Ainda como estudante de engenharia, ele criou um sistema de moldagem baseado em membranas que podia ser usado para a produção de lentes corretivas baratas

CALCULADORA DE CARBONO

O inventor criou um software que mostra como as atitudes do dia a dia contribuem para as emissões de carbono. Chamada de WattzOn, a ferramenta está disponível de forma gratuita na internet: www.wattzon.com

Fonte: PEGN

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