Brasil pode perder com ações que envolvem frigorífico e banco nacional. Perdas já somam R$ 2,56 bilhões, diz jornal Valor Econômico. BNDES nega situação de perda e acredita em lucro a longo prazo
Texto por Welliton Carlos
O frigorífico JBS pode ser responsável por prejuízos futuros ao BNDES, banco do governo federal que tem como função patrocinar o desenvolvimento econômico do País. Tudo por conta da atual situação do negócio envolvendo um grupo de frigoríficos encabeçado pela companhia goiana JBS e o BNDESPar – a sociedade do BNDES responsável por executar participações empresariais. As perdas já somam quase R$ 2,56 bilhões, informou recentemente o Valor Econômico, jornal especializado em noticiário de economia.
Para quem não é familiarizado ao noticiário econômico, o fato significa que um banco público fomentado pelo governo federal pode perder dinheiro por conta de investimentos em empresas que supostamente não dão o lucro esperado. Seria o mesmo que a Caixa Econômica emprestar dinheiro para uma pessoa física, um cidadão comum, e jamais vê-lo de volta. A diferença é que o dinheiro investido pelo BNDES daria para saldar as dívidas de milhares de pessoas físicas ou mesmo mutuários da casa própria, executados diariamente por dívidas consideradas irrisórias. Outra diferença é que, no caso de quebra, ao contrário da casa do mutuário, que é leiloada, nada ocorre com os bens do investidores agraciados com a compra de ações.
O grupo JBS-Friboi diz ao Diário da Manhã que o desempenho da sociedade comercial aumenta a cada ano e que quem teria que se pronunciar sobre este assunto seria o próprio BNDES. “Estamos tranquilos com os resultados. É mais um retrato do mercado, num momento”, disse um assessor do grupo. Conforme José Carlos Hausknecht, sócio da MB Agro, o negócio do BNDES com a JBS é péssimo para o País. Para a gestão da carteira, então, teria sido um “desastre”. Hausknecht afirma que os “investimentos” foram feitos no 'boom', baseados em projeções “excessivamente otimistas”. Para ele, o governo ficou preso a essas empresas. “E vai ficar ainda mais”, diz ao Valor Econômico. Procurada pela reportagem do DM, a Associação Brasileira de Frigoríficos (Abrafigo) não se pronuncia sobre o caso.
Recentemente, o grupo JBS tentou comprar a Delta Construções, mas recuou. A J&F, holding controladora da JBS e do Banco Original, por meio de Joesley Batista, desistiu da Delta por desconfiar da situação enfrentada pela empresa. Mas é inegável que as relações com o BNDES também seriam questionadas.
Nota do banco do governo diz que sua diretoria não acredita em perdas, pois a gestão da carteira de renda variável está baseada na criação de valor no longo prazo. Ou seja, em breve os negócios estarão rentáveis. Não se tem, entretanto, um prazo ou período. Contudo, em outros casos citados nesta reportagem, como os frigoríficos Bertin e Independência, o banco não teve ganho nenhum.
Hoje, se o banco de investimento brasileiro desejasse vender suas quotas adquiridas junto aos frigoríficos, o Brasil ficaria R$ 2,6 bilhões mais pobre com o prejuízo. Conforme o Valor Data, ocorreu uma desvalorização de 27% sobre a quantia investida pelo banco, cerca de R$ 9,5 bilhões.
O deputado federal Heuler Cruvinel (PSD) aprovou na Comissão de Agricultura audiência para debater os repasses de recursos do BNDES para a Friboi. O parlamentar goiano afirma que é necessária a instalação de uma subcomissão para avaliar se existe, de fato, um monopólio no mercado brasileiro e se a JBS tem alguma responsabilidade.
Bola de neve
Não é a primeira vez que o BNDES entra em uma enrascada com o setor de carnes. Em 2008, comprou a participação de 27,1% no capital do Bertin ao custo de R$ 2,5 bilhões. O banco brasileiro que tentou reforçar o caixa da empresa, que havia realizado compras no exterior, terminaria em prejuízo. Bertin teve perdas de R$ 681 milhões e uma dívida de R$ 5,5 bilhões. O fiasco do BNDES foi então corrigido quando estimulou a JBS a incorporar o Bertin, no ano seguinte. Agora, teve que estender a mão para o grupo goiano.
O BNDES espera por um rápido aumento no valor de mercado das ações. Marfrig e BRF-Brasil Foods, as outras empresas que participam do grupo ao lado da JBS, são as galinhas de ovos de ouro do BNDES, mas sem ouro até o momento. Recentemente, o JBS foi punido pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), por suspeitas de tentativa de manutenção de um monopólio no mercado. Com dinheiro sobrando, informam os denunciantes, o grupo tentava adquirir frigoríficos pelo País e mesmo fora. A JBS teria tentado comprar empresas em Mato Grosso, Rondônia e Acre. A principal denúncia diz respeito ao abuso de poder econômico nas aquisições de frigoríficos com a utilização de dinheiro público. Líder de mercado, a JBS nega todas as acusações.
Preocupação
O fato preocupa o mercado econômico e financeiro, pois mais de R$ 8,1 bilhões destes R$ 9,5 estão investidos no JBS – equivalente a cerca de 85% do total. Nesta semana, a parte do BNDES na empresa é avaliada em R$ 5,88 bilhões. Ainda segundo o Valor Data, o prejuízo já chega a R$ 2,21 bilhões (27,4%).
Em 2008, o BNDES investiu R$ 250 milhões na compra de 21,8% do capital do frigorífico Independência. Conforme o Valor Econômico, esse dinheiro “virou pó” logo depois de a empresa fechar suas portas e entrar em processo de recuperação judicial.
No caso do Independência, o BNDES investiu os recursos meses antes de a empresa decretar praticamente sua quebra, pedindo recuperação judicial (que substituiu o instituto da concordata no direito falimentar).
O Ministério Público Federal passou a analisar o caso. Conforme a legislação brasileira, pelo menos dois ilícitos poderiam ter supostamente ocorrido: a concessão de empréstimos a empresas sem garantias suficientes, com análises de viabilidade econômico-financeiras equivocadas e a empresas falidas ou em crise financeira, que comprometa o pagamento dos empréstimos, caracteriza ato de improbidade administrativa (Lei 8.492/92) e crime de peculato (Código Penal). “Existe uma linha tênue de má-fé e ingenuidade nestes casos”, diz o advogado José Fernandes Filho, especialista em direito falimentar.
O problema mais grave nos negócios entre BNDES e JBS refere-se ao fato de que o banco federal não pode mais se desfazer das ações.
A persistência dos preços em níveis baixos prende o banco brasileiro aos frigoríficos, o que não é juridicamente o interesse e a função do BNDES, que deve utilizar seu capital para auxiliar e viabilizar outros projetos.
José Carlos Hausknecht, sócio e consultor da MB Agro, associação independente que trabalha com previsões de cenários de risco, diz que com uma moeda o BNDES deixa em dificuldades os pequenos e médios frigoríficos. E com outra moeda ajuda as grandes concentrações. “Isso não foi bom para os pecuaristas, que em algumas regiões ficaram nas mãos de um único comprador”, disse.
Conforme Hausknecht, o BNDES, para piorar, financia empresas no exterior. “O banco está criando concorrentes lá fora, gerando empregos e renda em outros países.”
Fonte: Diário da Manhã
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