quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Prejuízo ameaça BNDES

Brasil pode perder com ações que envolvem frigorífico e banco nacional. Perdas já somam R$ 2,56 bilhões, diz jornal Valor Econômico. BNDES nega situação de perda e acredita em lucro a longo prazo

Texto por Welliton Carlos

O fri­go­rí­fico JBS pode ser res­pon­sável por pre­juízos fu­turos ao BNDES, banco do go­verno fe­deral que tem como função pa­tro­cinar o de­sen­vol­vi­mento econô­mico do País. Tudo por conta da atual si­tu­ação do ne­gócio en­vol­vendo um grupo de fri­go­rí­ficos en­ca­be­çado pela com­pa­nhia goiana JBS e o BN­DESPar – a so­ci­e­dade do BNDES res­pon­sável por exe­cutar par­ti­ci­pa­ções em­pre­sa­riais. As perdas já somam quase R$ 2,56 bi­lhões, in­formou re­cen­te­mente o Valor Econô­mico, jornal es­pe­ci­a­li­zado em no­ti­ciário de eco­nomia.

Para quem não é fa­mi­li­a­ri­zado ao no­ti­ciário econô­mico, o fato sig­ni­fica que um banco pú­blico fo­men­tado pelo go­verno fe­deral pode perder di­nheiro por conta de in­ves­ti­mentos em em­presas que su­pos­ta­mente não dão o lucro es­pe­rado. Seria o mesmo que a Caixa Econô­mica em­prestar di­nheiro para uma pessoa fí­sica, um ci­dadão comum, e ja­mais vê-lo de volta. A di­fe­rença é que o di­nheiro in­ves­tido pelo BNDES daria para saldar as dí­vidas de mi­lhares de pes­soas fí­sicas ou mesmo mu­tuá­rios da casa pró­pria, exe­cu­tados di­a­ri­a­mente por dí­vidas con­si­de­radas ir­ri­só­rias. Outra di­fe­rença é que, no caso de quebra, ao con­trário da casa do mu­tuário, que é lei­loada, nada ocorre com os bens do in­ves­ti­dores agra­ci­ados com a compra de ações.

O grupo JBS-Friboi diz ao Diário da Manhã que o de­sem­penho da so­ci­e­dade co­mer­cial au­menta a cada ano e que quem teria que se pro­nun­ciar sobre este as­sunto seria o pró­prio BNDES. “Es­tamos tran­quilos com os re­sul­tados. É mais um re­trato do mer­cado, num mo­mento”, disse um as­sessor do grupo. Con­forme José Carlos Hausk­necht, sócio da MB Agro, o ne­gócio do BNDES com a JBS é pés­simo para o País. Para a gestão da car­teira, então, teria sido um “de­sastre”. Hausk­necht afirma que os “in­ves­ti­mentos” foram feitos no 'boom', ba­se­ados em pro­je­ções “ex­ces­si­va­mente oti­mistas”. Para ele, o go­verno ficou preso a essas em­presas. “E vai ficar ainda mais”, diz ao Valor Econô­mico. Pro­cu­rada pela re­por­tagem do DM, a As­so­ci­ação Bra­si­leira de Fri­go­rí­ficos (Abra­figo) não se pro­nuncia sobre o caso.

Re­cen­te­mente, o grupo JBS tentou com­prar a Delta Cons­tru­ções, mas re­cuou. A J&F, hol­ding con­tro­la­dora da JBS e do Banco Ori­ginal, por meio de Jo­esley Ba­tista, de­sistiu da Delta por des­con­fiar da si­tu­ação en­fren­tada pela em­presa. Mas é ine­gável que as re­la­ções com o BNDES também se­riam ques­ti­o­nadas.

Nota do banco do go­verno diz que sua di­re­toria não acre­dita em perdas, pois a gestão da car­teira de renda va­riável está ba­seada na cri­ação de valor no longo prazo. Ou seja, em breve os ne­gó­cios es­tarão ren­tá­veis. Não se tem, en­tre­tanto, um prazo ou pe­ríodo. Con­tudo, em ou­tros casos ci­tados nesta re­por­tagem, como os fri­go­rí­ficos Bertin e In­de­pen­dência, o banco não teve ganho ne­nhum.

Hoje, se o banco de in­ves­ti­mento bra­si­leiro de­se­jasse vender suas quotas ad­qui­ridas junto aos fri­go­rí­ficos, o Brasil fi­caria R$ 2,6 bi­lhões mais pobre com o pre­juízo. Con­forme o Valor Data, ocorreu uma des­va­lo­ri­zação de 27% sobre a quantia in­ves­tida pelo banco, cerca de R$ 9,5 bi­lhões.

O de­pu­tado fe­deral Heuler Cru­vinel (PSD) aprovou na Co­missão de Agri­cul­tura au­di­ência para de­bater os re­passes de re­cursos do BNDES para a Friboi. O par­la­mentar goiano afirma que é ne­ces­sária a ins­ta­lação de uma sub­co­missão para ava­liar se existe, de fato, um mo­no­pólio no mer­cado bra­si­leiro e se a JBS tem al­guma res­pon­sa­bi­li­dade.

Bola de neve

Não é a pri­meira vez que o BNDES entra em uma en­ras­cada com o setor de carnes. Em 2008, com­prou a par­ti­ci­pação de 27,1% no ca­pital do Bertin ao custo de R$ 2,5 bi­lhões. O banco bra­si­leiro que tentou re­forçar o caixa da em­presa, que havia re­a­li­zado com­pras no ex­te­rior, ter­mi­naria em pre­juízo. Bertin teve perdas de R$ 681 mi­lhões e uma dí­vida de R$ 5,5 bi­lhões. O fi­asco do BNDES foi então cor­ri­gido quando es­ti­mulou a JBS a in­cor­porar o Bertin, no ano se­guinte. Agora, teve que es­tender a mão para o grupo goiano.

O BNDES es­pera por um rá­pido au­mento no valor de mer­cado das ações. Mar­frig e BRF-Brasil Foods, as ou­tras em­presas que par­ti­cipam do grupo ao lado da JBS, são as ga­li­nhas de ovos de ouro do BNDES, mas sem ouro até o mo­mento. Re­cen­te­mente, o JBS foi pu­nido pelo Con­selho Ad­mi­nis­tra­tivo de De­fesa Econô­mica (Cade), por sus­peitas de ten­ta­tiva de ma­nu­tenção de um mo­no­pólio no mer­cado. Com di­nheiro so­brando, in­formam os de­nun­ci­antes, o grupo ten­tava ad­quirir fri­go­rí­ficos pelo País e mesmo fora. A JBS teria ten­tado com­prar em­presas em Mato Grosso, Rondônia e Acre. A prin­cipal de­núncia diz res­peito ao abuso de poder econô­mico nas aqui­si­ções de fri­go­rí­ficos com a uti­li­zação de di­nheiro pú­blico. Líder de mer­cado, a JBS nega todas as acu­sa­ções.

Pre­o­cu­pação

O fato pre­o­cupa o mer­cado econô­mico e fi­nan­ceiro, pois mais de R$ 8,1 bi­lhões destes R$ 9,5 estão in­ves­tidos no JBS – equi­va­lente a cerca de 85% do total. Nesta se­mana, a parte do BNDES na em­presa é ava­liada em R$ 5,88 bi­lhões. Ainda se­gundo o Valor Data, o pre­juízo já chega a R$ 2,21 bi­lhões (27,4%).

Em 2008, o BNDES in­vestiu R$ 250 mi­lhões na compra de 21,8% do ca­pital do fri­go­rí­fico In­de­pen­dência. Con­forme o Valor Econô­mico, esse di­nheiro “virou pó” logo de­pois de a em­presa fe­char suas portas e en­trar em pro­cesso de re­cu­pe­ração ju­di­cial.

No caso do In­de­pen­dência, o BNDES in­vestiu os re­cursos meses antes de a em­presa de­cretar pra­ti­ca­mente sua quebra, pe­dindo re­cu­pe­ração ju­di­cial (que subs­ti­tuiu o ins­ti­tuto da con­cor­data no di­reito fa­li­mentar).

O Mi­nis­tério Pú­blico Fe­deral passou a ana­lisar o caso. Con­forme a le­gis­lação bra­si­leira, pelo menos dois ilí­citos po­de­riam ter su­pos­ta­mente ocor­rido: a con­cessão de em­prés­timos a em­presas sem ga­ran­tias su­fi­ci­entes, com aná­lises de vi­a­bi­li­dade econô­mico-fi­nan­ceiras equi­vo­cadas e a em­presas fa­lidas ou em crise fi­nan­ceira, que com­pro­meta o pa­ga­mento dos em­prés­timos, ca­rac­te­riza ato de im­pro­bi­dade ad­mi­nis­tra­tiva (Lei 8.492/92) e crime de pe­cu­lato (Có­digo Penal). “Existe uma linha tênue de má-fé e in­ge­nui­dade nestes casos”, diz o ad­vo­gado José Fer­nandes Filho, es­pe­ci­a­lista em di­reito fa­li­mentar.

O pro­blema mais grave nos ne­gó­cios entre BNDES e JBS re­fere-se ao fato de que o banco fe­deral não pode mais se des­fazer das ações.

A per­sis­tência dos preços em ní­veis baixos prende o banco bra­si­leiro aos fri­go­rí­ficos, o que não é ju­ri­di­ca­mente o in­te­resse e a função do BNDES, que deve uti­lizar seu ca­pital para au­xi­liar e vi­a­bi­lizar ou­tros pro­jetos.

José Carlos Hausk­necht, sócio e con­sultor da MB Agro, as­so­ci­ação in­de­pen­dente que tra­balha com pre­vi­sões de ce­ná­rios de risco, diz que com uma moeda o BNDES deixa em di­fi­cul­dades os pe­quenos e mé­dios fri­go­rí­ficos. E com outra moeda ajuda as grandes con­cen­tra­ções. “Isso não foi bom para os pe­cu­a­ristas, que em al­gumas re­giões fi­caram nas mãos de um único com­prador”, disse.

Con­forme Hausk­necht, o BNDES, para pi­orar, fi­nancia em­presas no ex­te­rior. “O banco está cri­ando con­cor­rentes lá fora, ge­rando em­pregos e renda em ou­tros países.”

Fonte: Diário da Manhã

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