sexta-feira, 23 de julho de 2010

As novas potências do campo

Com a consolidação das empresas em várias áreas do agronegócio, o número de companhias bilionárias nesse mercado aumentou 20% em 2009

Lívia Andrade, de EXAME

A maior aquisição de 2009 foi no setor de papel e celulose: a compra do controle da Aracruz por parte da VCP

Nos anos 50, aquele que é hoje um dos maiores grupos empresariais brasileiros, dono de um faturamento de 20,6 bilhões de dólares e controlador de sete empresas, não passava de um açougue no interior de Goiás. Fundado por José Batista Sobrinho, o JBS, maior empresa de carnes do mundo, é o representante máximo de um fenômeno que vem transformando, numa velocidade espantosa, desconhecidas empresas dos rincões do país em corporações gigantescas e globais. Por trás de histórias como essa, está a mutação de um setor agropecuário difuso e pouco organizado em um dos agronegócios mais competitivos do planeta.

O nome desse jogo é escala. O JBS passou a crescer no final da década de 60, com a compra de pequenos abatedouros de gado no Centro-Oeste do país - um movimento seguido por alguns de seus grandes concorrentes. Não havia saída senão a consolidação, a formalização e a expansão dos negócios. Num mundo cada vez mais ávido por proteína, resultado direto da ascensão da China, as empresas brasileiras de carne tiveram de conciliar as vantagens naturais do país com uma estratégia global. Em 2008, já como empresa aberta na Bolsa de Valores de São Paulo, o JBS comprou a americana Swift, transformando-se em líder mundial do setor. Em setembro do ano passado, adquiriu o frigorífico Bertin, seu principal competidor no Brasil, ao mesmo tempo em que fechava a compra da Pilgrim's Pride, segunda maior processadora de frangos dos Estados Unidos. Estava formado um grupo privado com faturamento na casa de 30 bilhões de dólares. (Nesta edição de MELHORES E MAIORES, com números referentes a 2009, o JBS ocupa a 11a posição entre os grandes grupos, com receitas de 20,6 bilhões de dólares. Os números não incluem as aquisições mais recentes.) "Quem não cresce numa economia globalizada está sujeito a desaparecer", diz o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues, hoje à frente do Centro de Estudos sobre Agronegócio da Fundação Getulio Vargas. "As companhias do campo brasileiro já entenderam a mensagem."

Uma consequência direta do movimento de consolidação em várias áreas do agronegócio é a multiplicação do número de empresas bilionárias no mercado. Em 2008, havia 42 companhias com faturamento superior a 1 bilhão de dólares na lista das 400 maiores empresas do agronegócio de MELHORES E MAIORES. No ano passado, esse número chegou a 50 - um aumento de 20%. Seguindo os passos do JBS, o frigorífico Marfrig, liderado pelo empresário Marcos Molina, fez 37 aquisições desde 2007. No ano passado, sua receita foi de 1,6 bilhão de dólares, 15,5% superior a 2008. Graças a resultados como esse, o Marfrig recebeu os títulos de melhor companhia do setor de carnes e de Empresa do Ano do Agronegócio desta edição de MELHORES E MAIORES. O processo de fusões e aquisições envolvendo o agronegócio brasileiro - e especialmente o setor de frigoríficos - tem contado com duas fontes de financiamento, uma privada e outra representada pela mão do Estado. Entre 2007 e 2009, dez empresas do setor abriram o capital na Bovespa, a Bolsa de Valores de São Paulo, captando 6,4 bilhões de reais. Do lado estatal, está o BNDES. Os empréstimos concedidos a companhias do agronegócio - sobretudo da área de carnes - atingiram 17,4 bilhões de reais no mesmo período. "Vejo isso como um plano estratégico do governo para fundar grandes gigantes mundiais", diz José Vicente Ferraz, diretor do Instituto AgraFNP, uma das consultorias mais conceituadas no agronegócio do país.

Um grande potencial


O governo pode estar apenas induzindo uma transformação que o próprio mercado se encarregará de concretizar. Aconteceu com o setor de carnes e está ocorrendo com outras áreas do agronegócio que só podem conseguir relevância se atingirem determinada escala. É o caso do mercado de leite longa vida. Desde 2007, pelo menos dez marcas de um total de 80 em atividade no mercado brasileiro deixaram de existir. No setor sucroalcooleiro, duas grandes operações se destacaram em 2009: a aquisição, por 1,5 bilhão de dólares, de cinco usinas do Grupo Moema pela multinacional Bunge e a compra da Santelisa Vale pela Louis Dreyfus Commodities, um negócio de 467 milhões de dólares. O ano ainda teve a fusão de duas inimigas históricas, Perdigão e Sadia, dando origem à gigante Brasil Foods - ou simplesmente BRF -, empresa cujo valor de mercado é 11,5 bilhões de dólares.

Graças ao potencial de crescimento de algumas áreas do agronegócio e do papel estratégico do Brasil como grande fornecedor mundial de commodities agrícolas (de acordo com um relatório recente da ONU, o país será o maior produtor de alimentos e energia renovável do mundo até 2012), o movimento de fusões e aquisições deve manter um ritmo acelerado. Em fevereiro deste ano, por exemplo, ocorreu a fusão dos ativos da ETH Bioenergia com a Companhia Brasileira de Energia Renovável, a Brenco. Rebatizada de ETH-Brenco, a empresa planeja se tornar líder mundial em produção de energia renovável. Para isso, tem investimentos de 1,7 bilhão de dólares programados para os próximos três anos. Até 2012, quando todas as usinas estiverem prontas, a companhia produzirá 3 bilhões de litros de etanol. "Acreditamos que o preço do petróleo vá subir, o que aumentará a demanda por etanol para ser misturado à gasolina dentro e fora do Brasil", diz José Carlos Grubisich, presidente da ETH.

Diante desse cenário, era previsível que o agronegócio brasileiro passasse a chamar a atenção dos investidores internacionais das áreas de alimentos e energia. No período entre 2007 e 2009, companhias ou fundos internacionais investiram 4,3 bilhões de reais em empresas brasileiras com atuação nesses setores. Com a compra da Santelisa Vale, a francesa Louis Dreyfus Commodities é o segundo maior grupo sucroalcooleiro do Brasil. A Bunge, com oito usinas de álcool no país, está em sexto lugar. No início deste ano, a Cosan e a anglo-holandesa Shell concretizaram um dos maiores e mais surpreendentes negócios dos últimos tempos ao formar uma joint venture de 12 bilhões de dólares para produção e distribuição de etanol. A Shell foi a terceira grande petroleira a chegar ao mercado brasileiro de etanol, seguindo a britânica BP, que detém 50% da Tropical Bioenergia, e a Petrobras, dona de uma parcela de 40% da Total Agroindústria Canavieira. "O império do petróleo se deu conta de que, adicionando 20%, 30% de biocombustíveis a seus derivados, suas empresas podem durar 30, 40 anos a mais", afirma o ex-ministro da Agricultura Roberto Rodrigues.

Fonte: Portal Exame

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