domingo, 4 de julho de 2010

Um trilhão de sensores

As empresas começam a descobrir as vantagens de conectar não só as pessoas, mas também as coisas, à internet

Luiza Dalmazo, de EXAME

No ambiente hospitalar, diariamente os funcionários têm de lidar com situações delicadas, como o manuseio de medicamentos caros e sensíveis. Faz parte de sua rotina checar se eles estão sendo bem conservados nos refrigeradores, alguns dos quais funcionam a temperaturas de 80 ºC negativos. Mas depender de pessoas é correr riscos. Para tentar acabar com essa vulnerabilidade, os executivos do Hospital Israelita Albert Einstein, de São Paulo, decidiram instalar sensores nos equipamentos de conservação dos remédios. "Agora, se a porta de um refrigerador fica mal fechada, o sistema emite um alerta por e-mail ou SMS para o responsável", diz Sérgio Arai, diretor de tecnologia do hospital. Outro problema enfrentado pelo Albert Einstein era logístico: macas, cadeiras de rodas e bombas de infusão, por exemplo, tinham de ser compradas em quantidades até 30% superiores ao necessário, pois estão o tempo todo em circulação pelo prédio. Muitas vezes era difícil encontrá-las com rapidez - e isso não pode comprometer o atendimento aos pacientes. Hoje, esses equipamentos estão entre os 500 itens que receberam uma "etiqueta inteligente" que permite a localização em tempo real na rede de computadores do Einstein. Embora a economia ainda não tenha sido contabilizada, Arai menciona um estudo que mostra que um hospital pode economizar cerca de 230 000 dólares anuais se monitorar remotamente 3 000 itens de uso corrente. Esse investimento do hospital é um exemplo bemacabado de uma tendência tecnológica que já é comentada há muito tempo, mas que só agora começa a aparecer de verdade: a internet das coisas.

A expressão foi cunhada 20 anos atrás no Massachusetts Institute of Technology (MIT). Ela é autoexplicativa: além de conectar pessoas, a internet também vai ligar todo tipo de equipamento. Podem ser utensílios de hospitais, como no Albert Einstein, ou os eletrodomésticos de sua casa. O forno de micro-ondas está consumindo muita energia elétrica? O ar-condicionado do escritório ficou ligado? Equipados com sensores, é possível colher esse tipo de informação, analisá-lo e reduzir a conta de luz. Os usos possíveis são inúmeros, mas a multiplicação dos sensores vai começar pelas empresas. O hospital paulistano é uma das cerca de 50 companhias do país que já têm projetos em andamento. "Até o ano passado, não tínhamos nem metade disso", diz Roberto Matsubayashi, gerente da GS1, associação que apoia padrões e a melhoria da eficiência das cadeias de suprimentos. Muitas aplicações ainda são invisíveis para os consumidores, mas começam a gerar benefícios concretos para as empresas. A Multilog, que opera na parte seca do porto de Itajaí, em Santa Catarina, investiu 500 000 reais na instalação de etiquetas inteligentes e leitores para melhorar o gerenciamento dos cerca de 3 000 contêineres que movimenta por mês. Antes disso, cada mudança de lugar de contêiner precisava do acompanhamento de um funcionário, que tomava nota da movimentação. Agora, leitores espalhados pelos armazéns identificam as etiquetas automaticamente, e a posição de cada contêiner fica registrada no sistema. Mesmo quando o pátio está lotado é possível dizer ao cliente com rapidez onde está a mercadoria. "Hoje garantimos que, mesmo dobrando a quantia de contêineres recebidos, podemos manter a rotina", diz o coordenador de tecnologia da informação da Multilog, Julian Espindola.

Um dos principais motivos para o aumento no uso de sensores é a queda vertiginosa dos preços. As etiquetas inteligentes mais simples custavam de 1,50 a 2 dólares há cinco anos. Atualmente, elas custam 30 centavos de dólar. A queda deve se acentuar ainda mais nos próximos anos: o MIT estima que, até 2015, haverá mais de 1 trilhão de sensores em uso no mundo. A proliferação dos sensores é acompanhada pela disseminação das tecnologias de comunicação sem fio: além das hoje ubíquas redes Wi-Fi, já se vislumbra um futuro em que todas as redes das operadoras celulares sejam capazes de trafegar dados em grandes quantidades, com coberturas de cidades e até mesmo de países inteiros. As informações coletadas por esses sensores serão uma parte cada vez mais importante da montanha de dados gerada diariamente no planeta - e que há três anos já supera a capacidade das tecnologias de armazenamento. Diante de possibilidades virtualmente infinitas de colecionar dados, a pergunta se torna inevitável: que tipo de coisa formará essa nova dimensão da internet?


Nas empresas, a resposta ainda tem sido ligada à área de logística e controle. Na fábrica da Honda em Manaus, por exemplo, a movimentação de peças precisava de mais precisão e agilidade, especialmente depois que as vendas de motos começaram a subir mais rapidamente no Brasil em 2007. A empresa instalou etiquetas inteligentes em todo o trajeto entre os depósitos das peças e a fábrica. Os componentes eram acompanhados com códigos de barra. Agora, a movimentação é acompanhada automaticamente, com o uso de etiquetas inteligentes, que não exigem leitura manual. Nas montadoras estrangeiras, como as alemãs Audi e BMW, o processo vai um passo além: os próprios carros saem de fábrica com etiquetas de identificação. Quando um modelo entra na concessionária, os atendentes têm um histórico do processo de fabricação, das peças usadas e assim por diante.

Na vida pessoal, os sensores também começam a se multiplicar muitas vezes sem que se perceba. O melhor exemplo são os telefones celulares. A maioria dos modelos mais avançados já tem uma antena de GPS. Combinado com certos programas, o celular pode transmitir o tempo todo a localização de seu dono. Algumas redes sociais, como Twitter, começam a embutir a localização de onde as mensagens foram enviadas. Nas residências, a onda deve começar pelos eletrodomésticos. Poupar energia é uma preocupação cada vez maior, especialmente nos países que emitem muito CO2 na geração de eletricidade. No Reino Unido, a empresa Current Cost já vendeu mais de 1 milhão de medidores de consumo doméstico. Agora, outra companhia, a Pachube, está criando padrões de software que permitirão a consulta online do consumo, em um site da internet ou mesmo pelo celular. O passo seguinte será ter leituras individuais, por eletrodoméstico, por exemplo, do consumo de cada casa. "A internet das coisas está se tornando realidade na vida dos consumidores", diz Usman Haque, fundador da Pachube. Se hoje a conversa já é agitada na internet, imagine quando sua geladeira começar a participar.

Fonte: Portal Exame

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