sexta-feira, 20 de agosto de 2010

´Em 15 anos, livro de papel será objeto exótico´, diz Mike Shatzkin

Para consultor, que atua no mercado editorial há 40 anos, substituição de obras impressas por ebooks é caminho sem volta

Célio Yano, de EXAME.com

São Paulo - O futuro dos livros impressos é uma discussão polêmica. De um lado, há pesquisadores que acreditam que o crescimento das vendas de livros digitais não implica necessariamente no fim das obras em papel, e que ambos os formatos podem coexistir. Outro grupo, mais radical, prevê que as bibliotecas impressas, consolidadas ao longo de séculos, devem se tornar meros cenários históricos, e que todo o conteúdo disponível será transposto para as platafomas digitais.

Mike Shatzkin, especialista em toda a cadeia produtiva dos livros nos Estados Unidos e fundador da consultoria The Idea Logical Company, de Nova York, pertence ao segundo grupo. Para ele, a substituição dos livros pelos e-readers é um caminho sem volta e que tem prazo para acontecer. Em no máximo 30 anos, uma criança ao ver um livro de papel estranhará e perguntará "o que é aquilo, mamãe?", garante o consultor. Tudo isso refletirá no trabalho de editoras, livrarias e de escritores. E estimulará a leitura, segundo ele.

Shatzkin visitou o Brasil pela primeira vez para participar do Fórum Internacional do Livro Digital, que precedeu a 21ª Bienal Internacional do Livro de São Paulo. Ele conversou com o site EXAME no saguão do hotel em que se hospedou, entre uma leitura e outra que faz em seu iPhone.

EXAME - Qual a sua experiência com a indústria editorial?

Shatzkin - Sou filho de um editor de livros. Meu pai trabalhou em grandes editoras norte-americanas, mas também tinha um passado ligado à tecnologia, à indústria de impressoras, e esteve envolvido com o Projeto Manhattan, dessa forma lidava com o trabalho de editoração com uma abordagem científica. Aprendi sobre editoração com ele e também conheci muita gente que aprendeu com ele. Em algum nível cheguei a conhecer os maiores nomes do setor editorial dos Estados Unidos. No fim dos anos 1970 comecei meu negócio próprio, como consultor, nos primeiros anos mais ligado à área de distribuição. Passei a estudar tecnologia nos anos 1990. Desde então, dedico parte do meu tempo para estudar o futuro da editoração. É um grande estudo que faço nos último 20 anos.

EXAME - Os livros digitais substituirão os livros de papel?

Shatzkin - Em algum momento, com certeza. Certamente haverá um momento em que a tela evoluirá para um ponto em que os livros de papel não serão mais necessários. Se você quer a textura de um papel, ela terá, se quiser usar uma caneta para fazer anotações, isso será possível. A tecnologia das telas vai avançando, e o papel vai ficando para trás, de uma forma irreversível. Então, a pergunta não é "se", mas "quando" e "de que forma" as coisas vão acontecer. Mas é uma via de mão única

EXAME - Quantos anos você acha que serão necessários para essa mudança ocorrer?


Shatzkin - O dia em que uma criança verá uma pessoa lendo um livro de papel e perguntará "o que é aquilo, mamãe?", creio que podemos falar em 20 ou 30 anos. Mas se você perguntar "quando o livro impresso se tornará um objeto fora do comum, exótico, peculiar?" - e não estou dizendo "peculiar" no sentido de algo ruim, negativo, mas apenas, de alguma forma, excêntrico. Aí eu penso que esse dia não está tão longe assim. Podemos pensar em algo entre 10 ou 15 anos.

EXAME - E como a indústria editorial passará por essa mudança na plataforma de leitura?

Shatzkin - Se tornará algo totalmente irreconhecível, justamente como os livros. A indústria editorial é um conjunto de muitos modelos de negócios diferentes. Como uma editora de livros didáticos transforma seu capital em lucro é totalmente diferente de como uma editora de best-sellers faz isso. Os riscos são diferentes, os preços são diferentes, o mercado, tudo é diferente. Vamos pensar então apenas nas editoras de livros voltados ao leitor comum. Essa indústria virará completamente de cabeça para baixo. O que esse tipo de editora faz hoje? Ela pega o conteúdo, imprime e coloca nas prateleiras, onde os leitores encontram os livros para comprar. É o serviço que ela oferece, dando assistência para os autores. Mas se não houver prateleiras, como será? Como as editoras conseguirão encontrar valor? São perguntas complicadas, que não têm respostas automáticas.

EXAME - E no caso das livrarias, elas também terão de mudar completamente, certo?

Shatzkin - A forma de se pensar sobre isso é ir a uma livraria e ver o espaço destinado aos livros. Nos Estados Unidos, já atingimos um pico, um ponto máximo na quantidade de prateleiras para vendas de livros. Não tenho dados que mostrem isso, é afirmação baseada na observação, mas creio que em algum momento entre 2002 e 2006 chegamos a esse ponto. As lojas pequenas passaram a fechar, as grandes redes passaram a destinar menos espaço para os livros e colocar outros produtos nas prateleiras, como brinquedos e jogos. A forma como o mercado tenta atingir o consumidor mostra essa ascensão dos livros digitais. Não sei quando foi ou será esse ponto aqui no Brasil, já que a situação é completamente diferente. Se vocês ainda não chegaram nesse ponto, não deverá levar mais do que um ano para que isso certamente aconteça. E certamente irá acontecer, porque a venda online irá crescer, e o mercado de ebooks irá crescer, não há dúvidas quanto a isso. Tudo isso de alguma forma vai substituir as vendas que tomam espaço nas lojas, e as prateleiras de livros vão sumir.

Alguém pode questionar essa conjectura, mas eu não consigo ver como.

EXAME - Aqui no Brasil há muito poucos livros digitais publicados. As livrarias online falam em menos de dois mil até agora. Você acha que aspectos culturais podem fazer com que os ebooks se consolidem em alguns países e em outros não?

Shatzkin - É surpreendente para mim saber que o Brasil tem apenas essa quantidade, porque o Brasil é um país com uma diversidade cultural maior que os Estados Unidos. Mas a forma que os ebooks são aceitos é muito diferente em cada canto do mundo. Os japoneses, por uma série de razões, leem muito mais em smartphones. Isso tem a ver com cultura, com o modo como estão organizadas as operadoras de telefonia, tem a ver com o idioma e como os textos são exibido na tela, uma série de motivos. Mas mudar do papel para um dispositivo que se possa levar para qualquer lugar porque é mais conveniente certamente é uma razão universal. Não consigo acreditar que qualquer pessoa na Terra se puder fazer a mesma coisa sem ter de carregar peso extra e gastando menos dinheiro - porque o livro de papel sempre custará mais - irá rejeitar os livros digitais.

Fonte: Portal Exame

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Comente livremente, mas sem abusar do critério da livre escolha de palavras. Assuntos pessoais poderão ser excluídos. Mantenha-se analítico e detenha-se ao aspecto profissional do assunto em pauta.