domingo, 28 de novembro de 2010

Mesmo com alta de alimentos, índice de inflação sobe pouco

Tisa Moraes

A cabeleireira Andrea Domingues Ferreira, 43 anos, já não sabe mais como usar a criatividade para contornar a alta de preços de vários itens da cesta básica nos últimos meses. Em 60 dias, o quilo da carne em Bauru, por exemplo, subiu até 58%, dependendo do corte, conforme publicou o JC em reportagem recente. Mesmo assim, a inflação para o ano está estimada em apenas 5,58%, segundo informou o Banco Central na última semana.

O encarecimento de outros produtos como óleo de soja, açúcar, feijão e trigo fizeram com que Andrea se desdobrasse para convencer os três filhos a comer mais verduras, legumes, peixe e frango. “Comecei a substituir por outros tipos de alimentos e, por enquanto, eles não têm reclamado. Meu marido gosta muito de carne bovina, mas não dá mais para comprar todo dia”, revela.

Toda a mudança de rotina na casa da cabeleireira, no entanto, tem um reflexo aparentemente discreto nos números do mercado financeiro, conforme explicam especialistas consultados pelo JC. Embora a estimativa para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) tenha aumentado seguidamente nas últimas dez semanas, a elevação - aos olhos do consumidor - é pequena demais diante do aumento absurdo de alguns produtos.

“O que é preciso entender é que o aumento da carne, por exemplo, fica diluído em meio a mais de 500 itens da cesta básica, sendo que muitos deles sofrem queda de preço. E a inflação não é formada somente pela variação de produtos alimentícios, mas também por itens de vestuário, gastos com combustível e todo tipo de serviço, como educação, recreação, habitação”, detalha Alex Agostini, economista-chefe da agência classificadora de risco de crédito Austin Rating.

A inflação é definida por amostragem, através da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF), realizada por institutos de reconhecida confiança. Neste estudo, calcula-se quanto cada família destina de sua renda para todos os tipos de bens finais, sejam eles produtos ou serviços.

Composição do índice

Assim que determinada a participação de cada item no total de gastos, são estabelecidos pesos para chegar à composição do índice. “Um exemplo: a POF definiu que as famílias gastam, em média, 0,55% de sua renda com arroz. Se este item sobe 10% em um mês, basta multiplicar 0,10 por 0,55 e chegaremos à conclusão de que sua contribuição para a inflação como um todo será de 0,06% (casa decimal acima mais próxima de 0,055%)”, explica Agostini, lembrando sempre que esta pequena porcentagem pode ser anulada por outros produtos ou serviços que tenham sofrido queda de preço no mesmo período.

“Um exemplo são os itens de vestuário, que sofrem queda de preço na entrada da primavera com a mudança das coleções nas vitrines. Trata-se de uma contribuição negativa para o índice que acontece todo ano”, frisa.

Mas os alimentos, cuja produção é fortemente influenciada pelas variações climáticas e períodos de safra e entressafra, são os que sofrem variação de preços com maior frequência ao longo do ano, conforme lembra Flávio Serrano, economista sênior do Espírito Santo Investment Bank.

“É o que aconteceu, por exemplo, com a carne. Se há um aumento de 40% em um mês, isso ganha uma proporção enorme, mas estamos falando de apenas um tipo de gasto dentro do orçamento das famílias”, destaca. O problema, segundo ele, ocorre quando determinadas altas começam a influenciar a dinâmica de toda a economia, como já começou a ocorrer agora.

Mas, mais do que a carne, que de maneira geral subiu 3,48% no mês passado na cidade de São Paulo - onde o IPCA é calculado -, o feijão carioca foi o alimento que registrou maior aumento no período, de 31,42%. A majoração foi sentida pela dona de casa Marisa Yanaba, 44 anos, que decidiu oferecer o típico prato brasileiro em casa apenas uma vez na semana.

“Também estou substituindo a carne por peixe ou frango. O açúcar também subiu, mas por sorte, o consumo é pequeno dentro de casa”, pontua. Além do item alimento, o que representou maior influência na alta da inflação foram os combustíveis. Em outubro, o litro do etanol passou a custar 7,41% a mais do que setembro e o da gasolina, 1,13%.

Cálculo do IPCA

O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) é considerada a “inflação oficial”, utilizada como referência pelo Banco Central para estabelecer metas de variações de preços no Brasil. Calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) desde 1979, o indicador aponta mensalmente, em pesquisa por amostragem, a variação média do custo de vida das famílias com renda mensal entre um e quarenta salários mínimos, residentes nas 11 principais regiões metropolitanas do País.

O período de coleta de preços vai, em geral, do dia 1 ao dia 30 de cada mês. O IBGE também divulga o IPCA-15, com a mesma forma de cálculo, porém com período de coleta do dia 15 do mês anterior a 15 do mês de referência.

Transparência

Na avaliação de Alex Agostini, economista-chefe da Austin Rating, a formação dos índices de inflação alcançou um nível de transparência inquestionável nos dias atuais. Segundo ele, a realidade da economia brasileira, hoje, é sensivelmente diferente da de épocas em que imperavam a censura e o controle rigoroso de informação, como o período do regime militar.

“A história conta que, na ditadura, alguns governantes desqualificavam os institutos de pesquisa e determinavam qual seria a inflação do mês ou ano, de acordo com o que lhes era mais conveniente para manter a opinião pública a seu favor. Mas isso não ocorre mais”, pontua. Dentro do contexto histórico, Agostini salienta que a economia brasileira alcançou tamanha estabilidade que os níveis de inflação dificilmente voltarão aos padrões verificados em décadas passadas.

“Em 1993 a inflação chegou a 2.500% no ano. Em 1994 foi 916%. Acredito que o índice não volte a registrar nem mesmo dois dígitos, porque houve uma mudança estrutural muito grande, que foi desde a redução das barreiras de importação até o aumento do potencial de consumo no País, o que aumentou a qualidade e competitividade do produto nacional”, enumera.

Aumento de preços pressiona setor de serviços, como manicures e pedreiros

O aumento dos últimos meses nos preços dos alimentos e dos combustíveis, principalmente o etanol, já está gerando reflexos no setor de serviços.

Segundo explica o economista sênior do Espírito Santo Investment Bank, Flávio Serrano, quando o valor de vários produtos sofrem alta expressiva e contínua, é comum que os custo de mão de obra de marceneiros, pintores, pedreiros, manicures, entre outros, também seja reajustado.

“O custo de vida dessas pessoas aumenta. Ela vai pagar mais caro pela matéria-prima que utiliza, mas também para comer ou se locomover, por exemplo. Então esse aumento será repassado para o serviço que ele presta ao consumidor. Essa dispersão nos aumentos é um processo clássico da inflação e é quando o Banco Central precisa atuar”, detalha o economista.

Por conta deste fenômeno, ele acredita que o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central eleve, já em janeiro, a taxa básica de juros, mantida em 10,75% ao ano em outubro. Este índice deve ser mantido até o final do ano.

Para o ano que vem, economistas acreditam que a taxa atinja 12% ao ano até dezembro, quando a inflação acumulada no mesmo período deverá ultrapassar os 5%, valor acima da meta estabelecida pelo Banco Central - de 4,5% -, mas com um intervalo de tolerância de dois pontos percentuais para cima ou para baixo.

Fonte: JCNet

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