sábado, 14 de maio de 2011

Inflação: entenda por que a matemática joga contra o governo

Os meses de junho, julho e agosto, que salvaram a meta de inflação em 2010, vão atrapalhar as estatísticas deste ano

Contas, contas e mais contas: a matemática da inflação não está ajudando o Banco Central

São Paulo – Os técnicos do Banco Central e do Ministério da Fazenda sabem que as notícias sobre inflação serão negativas até agosto, mesmo que os preços demonstrem desaceleração. Como assim? Coisas da matemática, ou mais precisamente, da estatística.

Antes de tratarmos da questão em pauta, surge a necessidade de uma breve explicação. Alguns estudiosos consideram que a estatística é um ramo da matemática aplicada. Outros afirmam que as duas áreas são distintas, ainda que tenham relações bem próximas. Não existe consenso no mundo acadêmico. Há universidades com departamentos unificados e outras que fazem uma separação entre a matemática e a estatística.

Seja um problema de estatística ou de matemática, o fato é que o abacaxi está nas mãos da equipe econômica. A reportagem de EXAME.com foi à Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA-USP) conversar com o professor Heron do Carmo, um estudioso da inflação.

Após analisar planilhas e fazer alguns cálculos, o especialista constatou que o índice acumulado em 12 meses continuará aumentando até agosto mesmo que haja um arrefecimento dos preços. Em resumo: a inflação mensal pode até cair, mas a taxa anual vai crescer.

Isso, na verdade, já aconteceu em abril. O IPCA do mês (0,77%) foi menor do que o de março (0,79%), mas o acumulado em 12 meses aumentou de 6,30%, em março, para 6,51%, em abril. Por que isso ocorreu?

Os 6,30% de março correspondem ao período de abril de 2010 a março de 2011. Para calcular o acumulado em 12 meses em abril (6,51%), se retira o 0,57% de abril de 2010 e insere-se o 0,77% de abril deste ano. Ao trocar um índice menor por um maior, o acumulado em 12 meses aumentou.

O mesmo vai se repetir em maio, devendo entrar um índice de 0,45% neste ano no lugar de um índice de 0,43% de maio do ano passado. Como a diferença é pequena, o acumulado em 12 meses deve subir só um pouco, passando de 6,51% para 6,53%

O pior mesmo está por vir no período de junho a agosto, que, no ano passado, registrou inflação próxima de zero. Portanto, qualquer índice positivo que entre nesse período vai elevar o resultado acumulado em 12 meses.


Aí que mora o perigo

Para verificar se o Banco Central está conseguindo cumprir a meta de inflação, cujo teto é de 6,50%, os veículos de comunicação enfatizam o índice acumulado em 12 meses. Portanto, é possível prever que as manchetes sobre os índices de maio, junho, julho e agosto, assim como já ocorreu em relação a abril, terão um tom pessimista, com o resultado ficando cada vez mais distante da meta.

Pelos cálculos do professor Heron do Carmo, se os próximos meses tiverem uma inflação "normal", ou seja, igual à média dos últimos cinco anos, o IPCA só voltará para dentro da banda da meta (entre 2,5% e 6,5%) em novembro. Serão, portanto, sete meses seguidos de números ruins. “E só devemos retornar para o centro da meta, de 4,5%, a partir de abril do ano que vem”, diz o especialista.

Heron do Carmo, que atualmente também preside o Conselho Regional de Economia de São Paulo (Corecon-SP), afirma que o problema mais grave gerado por índices de preços elevados em 12 meses é o efeito sobre a indexação. “Historicamente, 30% do IPCA é atrelado à inflação passada por causa dos mecanismos de indexação. Se o ano terminasse com inflação de 10%, por exemplo, o ano seguinte já começaria com um piso de 3%, o que demandaria um esforço maior em termos de juros.”

Segundo o economista, a indexação precisa ser tratada como uma doença da economia. "As pessoas precisam ver a indexação como um problema e não como uma oportunidade de remarcar preços, corrigir contratos ou ganhar mais dinheiro com juros no mercado financeiro."

Heron do Carmo rechaça a ideia de que a alta das commodities no mercado internacional é a grande culpada pela escalada atual da inflação no Brasil. “Excluindo-se os combustíveis, só 3% do IPCA é influenciado por commodities.”

A inflação, diz o professor da USP, é impulsionada basicamente por três fatores: indexação, choques externos e nível de desemprego. “Com a geração recorde de empregos no Brasil, a renda cresceu muito e alavancou os reajustes no setor de serviços.”

Fonte: Portal Exame

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