quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

É preciso Encantar o Cliente! A questão é como.




Paulino Jeckel


Há alguns anos, eu estava coordenando a equipe de planejamento de uma campanha de reposicionamento de marca de uma rede de supermercados. O desafio era gande: a marca estava bastante desgastada e perdia em vários indicadores de resultado para a sua maior concorrente. O faturamento por metro quadrado de loja, por exemplo, era a metade da concorrente. Haviam vários fatores visíveis para isto ocorrer, que facilmente eram detectados ao se conversar com os clientes de ambas as redes. O atendimento da concorrente era melhor, o mix e a qualidade dos produtos, assim como outros fatores.

O que nós queríamos detectar era porque as lojas da marca para a qual estávamos trabalhando ainda tinham tantos clientes e eram rentáveis, apesar de não no patamar desejado. O caminho fácil seria imitar o principal concorrente, corrigindo as falhas existentes e copiando o que os próprios clientes alegavam que eles tinham de melhor. O problema é aquela velha lei da física: dois corpos não podem ocupar o mesmo lugar no espaço ao mesmo tempo. Quando duas marcas concorrentes usam a mesma estratégia, a questão acaba virando guerra de preços com efeitos nocivos para ambas, mas especialmente para quem chegou depois.

Para conduzir o trabalho, usamos algumas técnicas de pesquisa de mercado e uma delas foi a condução de alguns focus groups com clientes da marca para quem estávamos trabalhando. Queríamos saber porque estas pessoas eram clientes assíduas.

A experiência foi muito rica. Apesar de serem clientes da rede para a qual estávamos trabalhando, todos, quase sem exceção, ressaltaram o tempo inteiro as virtudes do concorrente. Os funcionários eram mais cordiais, o mix de produto era melhor, a aparência das lojas era muito superior, etc.etc.etc. Quando se referiam à marca para a qual estávamos trabalhando, logo associavam a falta de empacotadores, funcionários mal treinados e mal vestidos, não achavam os produtos que procuravam e tinham que se contentar com marcas que não eram da sua preferência, relatavam casos de produtos vencidos ou deteriorados, sujeira, ratos, baratas. Os relatos eram simplesmente constrangedores.

Dentre várias conclusões que nós levantamos para explicar a razão daquelas pessoas continuarem comprando, surgiram duas muito fortes. Uma um tanto óbvia e até esperada: a maior parte das pessoas comprava lá porque ficava mais próximo das suas casas e elas não tinham carro e pouco dinheiro para táxi, portanto elas tinham que se contentar com o que tinham.

O outra foi a mais interessante e surpreendente: uma das entrevistadas fez um verdadeiro ode de amor à concorrente e admitiu que não comprava lá, mesmo não tendo o problema da distância. A moderadora então perguntou por quê. A pessoa era tão humilde, tão simples, provavelmente com uma auto-estima tão baixa que ela admitiu que as lojas do outro supermercado eram tão bonitas, decoradas de uma maneira tão luxuosa, que ela se sentia mal, lá. Parecia que aquilo tudo não tinha sido feito para ela e que ela não se sentia merecedora de tanto requinte.

Logicamente, como estávamos trabalhando a comunicação, e não a estratégia empresarial como um todo e, portanto, tínhamos que trabalhar com “a vida como ela é”, optamos por focar na proximidade como diferencial competitivo a ser explorado na campanha.

Entretanto, esta decisão amenizava um problema concreto que a empresa tinha, mas não solucionava. O que aconteceria com os clientes que só freqüentavam a loja porque era perto de suas casas se alguém melhor instalasse uma filias perto deles? Provavelmente migrariam correndo para a concorrência.

Entender o que os clientes querem e satisfazer suas necessidades é algo que as empresas sabem que é necessário, mas muito poucas conseguem êxito nesta missão, sendo que muitas ainda sobrevivem pelo simples fato de que a concorrência é ainda pior.

O que atrapalha, então? Eu citaria dois fatores: o primeiro é não entender os reais e profundos motivos que levam um consumidor a optar por uma marca ou outra. O segundo é não saber o que fazer a respeito.

O entendimento do cliente compreende dois grupos de atributos, resumindo muito a questão: os visíveis e os não visíveis. Os visíveis são facilmente detectáveis, são óbvios. Por exemplo, falta de cortesia de um vendedor ou atendente, produtos danificados, preços altos, demora no atendimento, etc. Os não visíveis são mais complicados. São fatores que dizem respeito ao lado emocional da experiência o qual está presente mesmo em negócios B2B, em negociações conduzidas de forma racional por profissionais treinados. Existem vários exemplos destes e eu citaria o mencionado anteriormente por aquela cliente do supermercado.

Existem várias ferramentas de pesquisa e estudo do cliente para levantar as motivações relacionadas acima. Pesquisas quantitativas, focus groups, entrevistas, workshops, clínicas e outros. Também existem dados já disponíveis na empresa, como reclamações e sugestões registradas no SAC, a experiência dos profissionais que atuam na “linha de frente”, entre outros. Juntando todas estas peças de informação de modo inteligente, conciso e lógico, temos um quebra-cabeças montado que nos dá uma visão clara do que o cliente quer – mesmo que nem ele saiba o que é exatamente.

Alguns executivos e empresários são muito intuitivos e têm uma visão apurada dos seus clientes, conseguindo ter sucesso sem um trabalho de inteligência mais estruturado. Entretanto, em empresas maiores, que atuam em mercados mais complexos, com atuação mais globalizada, interagindo com diferentes culturas, e mesmo em empresas menores, de atuação mais localizada, não dá para contar apenas com a intuição e a experiência única de seus executivos. É preciso ir a campo e pesquisar de fato os clientes, juntando de todas as informações disponíveis e buscando aquelas que estão faltando para explicar pontos obscuros.

O passo seguinte, entendida a necessidade do cliente, é saber como satisfazê-la de forma até mesmo a superar expectativas e de fato encantar o cliente. Aí nos deparamos com outro quebra-cabeça. Os processos estão dispersos, sendo que parte deles está nas mãos de terceiros – fornecedores ou canais de distribuição. Alguns dos envolvidos nem sabe quanto afeta o nível de satisfação do cliente e, portanto, o desempenho da empresa e possivelmente, um dia, o seu emprego.

Nas definições de ajustes dos processos internos existe ainda um desafio a ser superado. Muitos desejos do cliente são antagônicos entre si ou geram custos sem certeza do retorno para a empresa. Para resolver este impasse, é preciso detectar os “momentos da verdade”: aqueles atributos do qual o cliente não abre mão e que fazem com que ele siga utilizando o seu serviço ou produto ou desista e vá para a concorrência. Em geral, são poucos atributos que atingem esta categoria. Os demais são desempate. Pense em um campeonato de pontos corridos. Existe uma seqüência de critérios para definir o ganhador: maior número de pontos, saldo de gols, ataque mais positivo. Agora pense em um campeonato extremamente competitivo, com muitos times com a mesma qualidade técnica. A decisão às vezes ocorre em um segundo ou terceiro critério, mas ainda assim continua valendo a pontuação como decisivo. O seu time quer ganhar a partida com o maior saldo de gols possível, mas primeiro tem que se concentrar em ganhar a partida.

O Customer Experience Mapping, uma técnica utilizada em várias empresas de marcas reconhecidas no exterior, mas ainda pouco difundida no Brasil, é uma excelente opção para administrar a satisfação do cliente. Ela parte do ponto de vista do cliente, indo a fundo, inclusive em questões emocionais, e compara com os processos internos que a empresa tem ou deveria ter, verificando os pontos onde devem ser concentrados os recursos disponíveis para garantir um retorno maior em termos de satisfação e rentabilidade. Ela não é uma “receita de bolo”, pois cada mercado tem características próprias que devem ser respeitadas, assim como as da própria empresa, mas é um caminho se construir uma receita adequada a cada situação.

Falamos na necessidade de entender as motivações que levam à satisfação do cliente e da sua correlação com os processos internos. Agora falta o principal: agir. Muitas vezes o sucesso passa por rever posições, quebrar paradigmas e, algumas vezes, ir até contra uma cultura estabelecida em uma empresa. Nestes momentos entra a questão de gestão da mudança, mas este é outro artigo.

Fonte: ECR Consultoria

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