quarta-feira, 16 de dezembro de 2009

Quem vai fazer o bolo?

O Brasil tem os ovos, a farinha e todos os outros ingredientes, só falta quem faça o bolo. Se as pessoas souberem que são importantes, que têm valor, talvez os “cozinheiros” – ou empreendedores - apareçam


Por Soumodip Sarkar*

Era uma vez uma galinha que queria fazer um bolo. Para isso, pediu ajuda aos seus companheiros - o gato, o pato e o rato. Todos eles se recusaram a preparar o bolo, talvez por falta de tempo, talvez por preguiça, talvez por... Quando chegou a hora de comer a sobremesa, todos esses amigos fizeram fila, apesar do bolo não ser fruto do trabalho deles.

Essa história, que remonta à minha infância, tem estrondoso eco em nossa sociedade. Há poucos “cozinheiros de bolos”. Quem criará riqueza? Quem assumirá riscos?

Há muitas razões para haver otimismo no Brasil. Ultimamente, o crescimento econômico tem sido admirável. As grandes empresas brasileiras começam a ser referência internacional. O Brasil é rico em minerais e tem um povo admirável, mas, como a saia de uma mulher bonita, o seu aparente sucesso esconde mais do que revela.

Apesar do nível de crescimento saudável, há um conjunto de fragilidades estruturais no sistema de emprego que tem de ser resolvido, e uma delas é a falta de empreendedorismo, principalmente o empreendedorismo que tem inovação como arma. Com mais uma estatística, que à primeira vista parece muito boa - uma taxa de atividade empreendedora das mais altas no mundo - o empreendedorismo no Brasil está muito ligado ao empreendedorismo por necessidade. A promoção de um espírito empreendedor e da inovação não é mais uma opção para o Brasil, é necessidade primordial. Para promover o empreendedorismo no país, temos não só que perceber “como” promover as boas práticas dos outros países, mas também temos que perceber a inovação e usá-la como uma ferramenta do empreendedor. Para o Brasil é preciso haver relação simbiótica entre empreendedorismo e inovação.

Eu tenho o mau hábito de provocar os meus alunos e, dada a minha atividade como docente na área de empreendedorismo e inovação, costumo colocar algumas questões sobre o espírito empreendedor. A primeira questão que costumo colocar é: “você gostaria de ser um empreendedor?”, à qual geralmente 50% dizem que sim. A questão seguinte é: “você tem alguma ideia sobre um projeto que gostaria de realizar?”, à qual, 50% dos que tinham respondido afirmativamente à primeira dizem que sim. Quando pergunto a esses 50% as razões pelas quais ainda não iniciaram o projeto, a resposta é rápida e a maioria responde: “preciso obter mais experiência” ou “preciso de dinheiro para criar o meu negócio”. Muitas vezes, esses são códigos inconscientes para evitar enfrentar a vida de empreendedor, uma vida cheia de incertezas, de riscos, de fracassos. É sim, uma vida também de realização, não muito diferente da realização de um poeta quando escreve uma poesia, de um artista, de um escritor. Empreendedorismo é sobre sonhar e fazer a realização do sonho. Empreendedorismo e criação são dois lados da mesma moeda.

Cada vez que visito o maravilhoso país que é o Brasil, fico encantado com o seu crescente sucesso econômico, com o dinamismo do seu povo, mas tento não ficar deslumbrado pela sua beleza (quer do povo, quer da natureza). Contudo, as minhas preocupações mantêm-se: uma certa falta de inovação nas micro, pequenas e médias empresas, e também uma certa falta do espírito de criação.

Mas há esperança. E a esperança está na promoção e no encorajamento do espírito empreendedor. A riqueza é criada pelas empresas e as empresas são criadas por indivíduos. E estes indivíduos estão à nossa volta. Se a sociedade valorizar estas pessoas, se reconhecer a sua contribuição como empreendedores, se recompensar os riscos que elas assumem, então ainda há esperança. Temos ovos, farinha e todos os outros ingredientes, só falta quem faça o bolo. Se enviarmos a mensagem de que são importantes, que lhe damos valor, talvez os “cozinheiros” apareçam.

* O pesquisador indiano Soumodip Sarkar, radicado em Portugal, é considerado um dos 100 principais especialistas mundiais em inovação pelo World Economic Forum. Em suas pesquisas com 2 mil empresas descobriu que os empreendedores se acham mais inovadores do que de fato são

Fonte: Pequenas Empresas Grandes Negócios

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