quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

A HORA E A VEZ DO CLIENTE

Luiz Roberto Bodstein*


Com a disseminação dos modernos conceitos de Qualidade em todo o mundo e o conseqüente estabelecimento de padrões internacionais, percebe-se um aumento contínuo e gradual do nível de exigência dos clientes. O mercado consumidor não é mais o mesmo que comprava o produto ou serviço mais barato. Ele hoje quer aliar as melhores condições de preço, prazo e qualidade.

Em contrapartida, os fornecedores buscam cada vez mais aprimorar os seus processos de acordo com referenciais consagrados pelo mercado mundial, estabelecidos sob forma de certificações, prêmios e sistemas de gestão pela qualidade adotados pela grande maioria dos países. Tais ações de incentivo para a Qualidade, como o próprio nome indica, se pretendem mostrar como estímulos para que as organizações busquem a excelência em seus processos de atendimento às novas exigências do mercado consumidor, mas funcionam também como "filtros da Qualidade", que protegem as organizações eficazes contra os maus competidores. Para estes, os sistemas de qualidade são verdadeiras barreiras que, se não superadas, levarão suas organizações à bancarrota.

O maior exemplo disso é o momento que estamos vivendo no Brasil em relação ao processo de Certificação ISO-9000: Com o aumento cada vez maior de empresas certificadas, inicia-se um processo em cadeia em que, aquela que obteve a certificação dos seus próprios processos, para preservar essa qualidade interna, busca certificar-se de que seus fornecedores a estarão suprindo com insumos que lhe permitirão manter esse padrão sem dificuldade. Assim, passa a exigir também destes a certificação para que permaneçam em sua carteira de fornecedores, e a adotá-la como pré-requisito para admitir os novos.

Assim, pouco a pouco vai se estendendo a rede de organizações que passam a compor um dileto corpo considerado de excelência em produtos e serviços. Na mesma proporção crescem as dificuldades das que não obtêm a certificação, ou porque não acreditaram nas barreiras que o mercado lhes poderia impor, ou porque não conseguiram cumprir os requisitos exigidos pelas normas internacionais. Traduzindo tudo isso em miúdos, a mensagem que os sistemas de qualidade estão passando é a seguinte: "Se você não se esforça para fazer melhor do que fez até agora, pelo menos saia do caminho para não atrapalhar os que estão tentando."

Outro fator que vem acontecendo com frequência cada vez mais acelerada é a inclusão de novas normas pelos organismos internacionais como a ISO: nem bem as empresas assimilaram a série ISO-9000 e a ISO-14000, já conhecida como a "ISO verde", começa a se firmar como novo requisito de competitividade. Esta norma trata dos aspectos de proteção ambiental nos processo produtivos. O que isso pode representar de ameaça para as organizações? É, no mínimo, um sinal de que a barreira anterior das ISO-9000 já se está tornando acessível demais para as empresas, e é necessário criar novas, que aumentem o grau de dificuldade para sua superação.

Ainda que nos pareça paradoxal, uma vez que a Qualidade visa eliminar o desgaste com melhores resultados, esse contínuo aumento de dificuldade obedece a uma regra básica da própria Qualidade, que é o princípio da Melhoria Contínua. Melhorar continuamente os processos significa ser, ao mesmo tempo, agente e paciente das mudanças que o mercado experimenta em sua dinâmica, é alimentar o espiral da Qualidade num processo permanente de aumento do seu próprio padrão de exigência: uma "barreira" é estabelecida, as organizações se preparam para superá-la, o mercado passa a exigir de acordo com esse novo parâmetro, que força as empresas a atingir um estágio superior, que com algum tempo entra na rotina e zera tudo para todo mundo. Aí é preciso criar uma nova barreira, ainda mais difícil de ser superada, e o processo se repete, mas num patamar cada vez mais alto de exigência.

Isso faz do mercado um cliente dia a dia menos tolerante com a incompetência, que obriga os fornecedores a perseguir insistentemente a superação de suas marcas anteriores ou deixar o espaço livre para os que o conseguem. Toda a população lucra então com essa corrida em busca de permanente superação, pois recebem produtos cada vez melhores a preços cada vez mais acessíveis.

Esta é a lei em vigor da qual nenhuma organização atualmente pode se livrar. Daí porque se repete tanto o já conhecido "slogan" de que qualidade há muito tempo já deixou de ser "algo mais" a oferecer aos clientes: hoje ela é, simplesmente, sobrevivência. Estamos em plena era do consumidor. As empresas que não tiverem todo o seu foco centrado no cliente não poderão testemunhar o sucesso das outras: no máximo ficarão na lembrança dos que aprenderam a lição como exemplos de "kamikases" da era do cliente.

*Luiz Roberto Bodstein - Consultor de Organizações, Bacharel em Direito e pós-graduado em Docência do Ensino Superior, especialista em Sistemas de Gestão pela Qualidade pela Penn State University - Pensilvânia, e em Planejamento Estratégico pelo Human Resources Institute, de Londres. Professor da FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS para cursos de Administração de Empresas, Consultor da Join Consult Desenvolvimento Empresarial para o IBQN-Instituto Brasileiro de Qualidade Nuclear e SEBRAE.

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