quinta-feira, 3 de junho de 2010

Deise Fernandes: coordenadora de Valorização da Diversidade na CPFL Energia

Maiara Tortorette

Deise Fernandes, coordenadora da área de Valorização da Diversidade na CPFL Energia, é muito mais do que uma profissional de sucesso. Apesar dos muitos obstáculos, principalmente por conta da deficiência visual, a executiva enfrentou o mercado de trabalho e conquistou espaço e respeito no mundo corporativo.

Mesmo com a evolução do mercado de trabalho e as leis de cota, que hoje já obrigam empresas a contratar profissionais com oportunidades restritas, para ela, ainda existe uma verdadeira batalha para que essas pessoas sejam reconhecidas e tratadas como as demais.

Deise é nossa entrevistada de RH desta edição, fala sobre o desenvolvimento de sua carreira - tanto na área de RH como educadora, e como conquistou o prêmio de “Talento em RH” de 2009, pela Gestão RH.

Conte-nos um pouco sobre sua formação.

Eu me formei em 1979 em Sociologia, na Unicamp. Depois disso, casei, tive filhos e dei uma parada, mas voltei a estudar em 1993, quando realizei o Mestrado de Qualidade no IMEC (instituto de matemática, computação e Estatística da UNICAMP). Depois disso, não parei mais: fiz especialização em gestão de estratégia de negócios, gestão de pessoas, psicodrama e gestão de sustentabilidade.

Como surgiu o interesse pela área de RH?

Devido à cegueira, que me aconteceu aos 15 anos, eu terminei o ensino médio com esta deficiência; nesta época, eu já comecei a pensar o que iria fazer dentro do que eu gosto e das minhas possibilidades. Eu gosto muito de gente, de conversar com gente, de desenvolver gente, e lembro que em 1976, já existia o curso de serviço social em uma faculdade importante, mas o serviço social me parecia muito assistencialista, e eu nunca quis, sempre achava que tinha que promover pessoas e não cuidar paternalmente delas. Então, no colegial, eu tive uma professora de sociologia que nos mostrou como os grupos funcionavam, a relação das pessoas, e isso me encantou. Por esse motivo me formei na área. Além disso, a sociologia dá muitas oportunidades de trabalho, e eu juntei trabalhar com grupos, atuar com pessoas, cuidar, desenvolver e promover gente, e consequentemente fui para o RH.

Conte-nos um pouco sobre sua experiência profissional e como você entrou na CPFL Energia?

Eu sou de uma cidade do interior de São Paulo, então fiz o colegial lá e vim para Campinas. Durante a faculdade eu comecei a ministrar aulas na Prefeitura, e depois disso apareceu uma alternativa de estágio na CPFL; então me candidatei, consegui a vaga e entrei para trabalhar em RH. Nesta oportunidade, em 1980, eu nunca tinha trabalhado em uma empresa, não tinha experiência, e aqui também não havia conhecimento do que uma deficiente visual poderia fazer. Então eu iniciei um trabalho de falar com todos os profissionais, ouvir e entender o que eles faziam e buscar algo que eu pudesse fazer, e foi muito interessante, porque naquela época eu peguei um pedaço de cada profissional, dentro daquilo que era possível, e aprendi um pouco de tudo. No final do estágio de um ano, apareceu uma vaga em um outro departamento, que cuidava de todo tipo de comunicação interna, jornal, e tudo mais. Era uma área que estava começando, e me possibilitou desenvolver a escrita, entrevistar pessoas, e apesar de não ser jornalista, aprendi muita coisa interessante.

Depois desse período, surgiu uma outra vaga no Planejamento Estratégico. Eu fui para lá com a função de conversar com as áreas, receber o que elas precisavam e ajudá-las a criar metas. Um tempo depois fui morar em Americana, e pedi transferência para o escritório de lá, onde se concentravam os serviços de campo; ou seja, os eletricistas, técnicos e eletrotécnicos. Nesta oportunidade, eu criei vários grupos junto com o gerente geral do distrito na época, e fui desenvolver um trabalho de integração, motivação e comprometimento com foco na promoção dos profissionais e do envolvimento com a empresa.

Passado algum tempo, o meu gerente foi convidado para trabalhar na sede de Campinas e gerenciar um novo projeto, que era a criação de um Call Center, e ele me trouxe de volta. Foi assim que iniciei uma tarefa de seleção e conscientização dos profissionais, e logo em seguida parti para um trabalho de monitoria. Eu acompanhava os atendentes, dava retorno para eles daquilo que eu ouvia e juntava todo material que eu escutava para criar treinamentos. Eu montava e ministrava os treinamentos, e era muito interessante pelo retorno, porque eu estava em contato com as pessoas, treinando e desenvolvendo.

Tempos depois apareceu uma oportunidade no programa de Valorização da Diversidade, e o dono desse programa seria o RH. Então enfim eu cheguei até aqui, onde já estou há 7 anos, para liderar este programa de inclusão de pessoas com deficiências, negros, mulheres e profissionais com mais de 45 anos, que também está relacionado a promoção e desenvolvimento de pessoas.

Como foi o processo de integração?

Eu entendo que o processo de integração tem muito a ver com as duas partes, mas neste processo em particular, no caso da convivência com alguém com deficiência, tem muita ligação com a pessoa em si, porque existe um constrangimento natural em todo mundo. Até hoje, se chega um colaborador novo na empresa que não me conhece, quando me vê tem um constrangimento; não sabe o falar, se deve pegar, onde deve pegar, se propõe ajudar ou não; mas tudo porque não está acostumado. E quando alguém se dá conta que fez um sinal, por exemplo, e está falando comigo, fica todo sem graça, e mal sabe que isso acontece comigo todos os dias, e depende muito de mim, de como eu trato as pessoas. Se eu tratar com naturalidade, como é meu caso, após tantos anos de cegueira, as coisas ficam muito naturais. Eu, sinceramente, nunca me senti excluída, nem percebi qualquer tipo de problema, pois as pessoas sempre tiveram a maior boa vontade comigo, inclusive quando eu precisei saber do trabalho de cada um; todo mundo dividia todas as informações comigo numa boa.

Para você, o que é preciso para que o RH de uma empresa se destaque?

Não é uma tarefa fácil, mas o RH ainda não está totalmente vinculado às estratégias da organização, e essa visão só irá mudar quando o Recursos Humanos for olhado e respeitado, além de ser convocado para estar lado a lado aos interesses da empresa e cada responsável dessa área souber, em primeira mão, quais são os planos da organização e quais processos irão mudar para que possam preparar os colaboradores. O sucesso do RH só será pleno quando tiver esse papel, que em algumas empresas já existe, e em outras não. Isso é o mais importante, nós estarmos juntos com o dono, presidente e gerente da empresa, ou seja, com a estratégia e com a visão do que será a organização no futuro.

Qual o diferencial da CPFL na prática de Gestão de Pessoas?

Eu fui em um workshop outro dia, e pelas palestras e o que as pessoas falam, eu percebo o quanto a gente já avançou. Nós temos um grupo interno de colaboradores que discute a cultura de clima, nós temos gestões em cima dos resultados e temos coisas que a maioria das empresas ainda não têm. Em outro evento, sobre avaliação de desempenho, também me deparei com ferramentas que nós já temos há 6 anos, como a avaliação de desempenho 360 graus; nós fazemos todas as etapas, temos gestão de competência, programa de sucessão, muitos treinamentos, então, em geral, nós observamos o que está acontecendo ao nosso redor e logo tratamos de conhecer, aprender. A empresa dá muita oportunidade a novas ideias, além de ter uma preocupação notável com o desenvolvimento dos colaboradores.

Quais programas de desenvolvimento da empresa podemos destacar?

A criação da Universidade Corporativa pode ser considerada um destaque. Podemos defini-la como algo mais avançado do que o T&D das empresas. Para melhor entendimento, podemos dizer que criamos essa universidade e, na nossa escola, por exemplo, a liderança seria o curso, e seus módulos seriam equivalentes às disciplinas de uma graduação. É tudo realizado na empresa, e nós fornecemos certificados que são reconhecidos em todas as outras companhia, e isso é disponibilizado para todos os colaboradores: tem trilha (curso) de técnico, analista, financeiro, liderança, tem trilha para todos. Além disso, nós temos muitos convênios dentro desta universidade, como a FGV, que dá curso de pós-graduação aqui; ela vem na empresa e cria uma classe com nossos funcionários. Então nós somos muito ligados ao desenvolvimento. No mês passado, nós criamos um outro programa de Novos Talentos. Um grupo de jovens, entre 25 e 32 anos, que são classificados como profissionais da geração Y, necessitam de mais investimento, mais desafio e um preparo maior, motivo esse para a criação do programa. Nós damos uma atenção especial para esses jovens que estão chegando cheios de gás, e assim a gente procura criar alternativas para que eles estudem mais, aprendam mais e contribuam com as áreas onde vão trabalhar. Tudo que parece que pode agregar à empresa e ao profissional, a gente corre para fazer.

Você foi premiada como “Talento em RH” de 2009, pela Gestão RH. A que você acredita que se deva essa premiação?

Acho que tem a ver com a empresa, que de fato figura entre as melhores para se trabalhar. Ela é vista desta forma porque nos dá essa oportunidade de contribuir efetivamente com todas as pessoas. Além disso, esse trabalho, que eu acho que foi o maior destaque dentro dos critérios da premiação, o Programa de Valorização da Diversidade, que trata da inclusão das minorias, é um programa realmente muito bacana, pois tem um cuidado, um respeito pela diferença e traz uma contribuição para a empresa muito gratificante. Eu lembro que no início era preciso pedir aos gerentes que deixassem entrar na equipe uma pessoa com deficiência, ou um negro, e eles não acreditavam no trabalho dessas pessoas; hoje, eu tenho muitos gerentes que querem, que me pedem, porque a visão que eles tinham dessas pessoas mudou totalmente, eles viram que são pessoas que trabalham, que são inteligentes, que podem contribuir e que ajudam a equipe. Eu vejo também que a convivência com os funcionários é excelente. A gente tem alguns mitos, algumas ideias, algumas crenças com relação a essas pessoas, e quando convivemos com ele, cai tudo por terra, muda a cultura e o olhar, e isso é uma contribuição fantástica para a empresa, para as pessoas com deficiência e para todos os grupos de minoria. Então, penso que é um programa importante e sério, por isso que se destacou, fora a minha própria condição de ser deficiente, tocar um trabalho grandioso e ser líder. Como nós estamos em um momento de inclusão, por causa da lei, existe uma crença que a pessoa com deficiência não tem estudo, e os trabalhos oferecidos são muito operacionais, e quando aparece algum líder nesse sentido, acaba chamando a atenção. E são poucos os deficientes que conseguem ter um cargo, tocar um programa e ficar dentro de uma empresa grande. Além de tudo isso, também me considero uma boa profissional. Mas de qualquer forma não é só isso, é todo o conjunto, porque tem muita gente qualificada que não tem essa oportunidade.

Além de atuar na CPFL Energia, você também está presente no mundo acadêmico. O que te levou a fazer parte do corpo docente de uma instituição de ensino superior?

Eu recebo muitas empresas e estudantes para falar do programa da diversidade, até porque são realizados muitos trabalhos de conclusão de curso sobre o assunto. E, uma vez, eu recebi um grupo de alunas para falar sobre a inclusão de pessoas com deficiência, mas depois da nossa conversa, elas falaram que eu precisava dar aula para elas, pois eu sou toda didática e tudo mais. E daí eu pensei “por que não?”, e entreguei o meu currículo para elas, que levaram para o coordenador do curso. Seis dias depois, ele me ligou, eu fiz a entrevista e comecei a dar aula na Anhanguera Educacional. Isso desde 2006. Eu dou aula para Gestão de RH, e esse ano comecei a lecionar na área de Psicologia e Marketing. Acabei de terminar um especialização em gestão de sustentabilidade e estou iniciando essas aulas de meio ambiente, ética, diversidade, que é a minha especialidade, e tudo que fala a respeito de social, ambiental e econômico.

Como é o seu dia a dia como profissional do ensino?

Eu trabalho na CPFL o dia inteiro, e quando saio vou direto dar aula. Como os alunos são todos adultos, é muito tranquilo. Eu falo com eles no primeiro dia de aula, converso e explico algumas particularidades de uma professora com deficiência visual, como o fato de não adiantar levantar a mão, ter que ser direto ao perguntar. Para dar aula, como eu enxerguei até os 15 anos, eu escrevo na lousa normalmente quando necessário, e faço minhas apresentações no Power Point, por meio de um leitor de tela; além disso levo filmes e faço dinâmicas em sala. Para criar o conteúdo das aulas, eu tenho meus livros sempre em e-mail eletrônico para poder ler e estudar.

As ações de inclusão e diversidade que têm sido feitas pelas empresas são suficientes para contribuir na melhoria da realidade de preconceitos que temos hoje? O que mais poderia ser feito?

A lei de cotas começou em 1991, nós já estamos há praticamente 20 anos com a lei, e nesse tempo muitas barreiras, crenças e mitos caíram. Eu percebo que muitos deficientes conquistaram seus espaços, conseguiram mostrar o que sabem e podem fazer, e as empresas estão enxergando essas pessoas como profissionais, assim como quaisquer outros. Houve também um avanço enorme na acessibilidade, com ônibus acessíveis, rampas na cidade e nas próprias empresas, e além disso, a tecnologia está diminuindo as limitações, já que antigamente os deficientes faziam pouca coisa porque não tinham acesso. Agora, eu por exemplo, tenho leitor de telas que não tinha antes, e assim muita coisa evolui.

Eu acho que foi um grande avanço a lei de cotas. Mas a partir de agora, eu tenho a impressão que essa lei vai perder a força, e quem terá que ter força, até porque esta lei é apenas para acelerar a inclusão, são os próprios deficientes. Também acredito que esses programas que eu faço não vão existir mais daqui algum tempo, e os deficientes vão disputar vagas no mercado como qualquer outra pessoa. E esse é o ideal dos mundos.

Qual a importância do RH na conscientização das empresas e dos profissionais quanto ao processo de inclusão?

Em um programa de inclusão, o responsável é sempre o RH, e para dar certo é necessário que haja cuidado. Não adianta trazer a pessoa com deficiência e simplesmente colocá-la lá, porque, em geral, quando é assim, não vai para frente. Tem que haver uma conversa com as equipes, em palestras, cartilhas, e uma troca de informações ainda mais profunda com os gestores. A empresa tem que estar disposta a fazer acessibilidade em todos os níveis, no prédio, na tecnologia e no acesso a informação. E no processo de seleção, a empresa tem que ter muito claro que existe uma vaga e existe um perfil do profissional que vai dar certo com aquela oportunidade; não é a deficiência que está sendo empregada, é a pessoa. Antes de ser cega, eu sou uma pessoa, e não é porque eu ocupo um cargo que qualquer outro deficiente vai conseguir fazer o que eu faço, e vice-versa.

Durante um tempo, eu ia na área, conversava com o gerente, fazia reunião de 3 em 3 meses com os gestores para saber o que estava acontecendo e falava com os deficientes para saber o andamento das atividades. Tem que haver um acompanhamento, um cuidado. É um processo de inclusão, e nesse sentido, ele precisa de um tempo para amadurecer, para cair em todas as barreiras e ter uma relação positiva.

Qual você considera ser o maior desafio de um RH hoje em dia?

Participar das estratégias e ter sensibilidade. Além disso, também é preciso ter muita competência, visão sistêmica para antecipar eventos com os gerentes e conseguir dar um apoio à empresa e aos gestores antes das coisas acontecerem. Preparar e conseguir evitar, se for o caso, possíveis conflitos e desagregação das equipes. É ser sensível para perceber e evitar problemas dentro da organização. Parece simples, mas esse é um grande desafio, pois o profissional de RH tende a ficar correndo atrás de tudo, e muitas vezes esquece de enxergar o todo.

Com uma carreira de tanto sucesso e reconhecimento, falta ainda algum sonho não realizado?

Falta muita coisa. Um dos projetos que eu já comecei foi a criação de um blog (www.todos-olhares.blogspot.com), que eu já estou escrevendo, mas além disso quero escrever um livro, dar aula na pós-graduação, ou seja, subir no meio acadêmico, e também criar novos programas de consumo consciente, voluntariado e outros vários que eu quero implantar aqui na CLT. Acho que vai demorar uns 50 anos ainda para terminar tudo.

Gostaria de deixar algum recado para os profissionais de RH?

Para aqueles que escolherem trabalhar com pessoas e em RH, é muito importante que tenham bastante paciência. Esses profissionais não devem ser pessoas que desanimam, porque, como ser humano, tem horas que uma pessoa pode estar bem, super envolvida, mas amanhã pode não estar, e isso deve ser compreendido. Nós temos, dentro de nós, o lado motivado e desmotivado, o lado feliz e o lado triste, o lado cansado e o lado energizado, e isso é o ser humano, com o lado sombra e luz, e nós temos que aprender a lidar com isso. Nesse sentido, nós estamos trabalhando com pessoas, e por isso devemos temos trabalhar a paciência e ter essa visão.

Fonte: Jornal Carreira e Sucesso

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