quarta-feira, 16 de junho de 2010

"Se o Brasil tem um resfriado, ficamos doentes"

"Primeiro "forasteiro" a comandar a Unilever, o holandês Paul Polman precisa garantir o crescimento de um colosso que fatura 51 bilhões de dólares ao ano. Em sua estratégia, a operação brasileira é uma peça fundamental

Marianna Aragão, de EXAME

O holandês Paul Polman pode ser chamado de aventureiro no sentido mais literal da palavra. Alto e esguio, o executivo de 53 anos corre maratonas, costuma velejar nas férias e coleciona feitos como ter atingido o cume do monte Kilimanjaro, o mais alto da África. Nos últimos 16 meses, parte dessa energia tem sido desviada para uma nova "aventura" - desta vez, profissional. Desde que assumiu o comando mundial da Unilever, em janeiro de 2009, Polman já visitou mais de 30 países para ver de perto como funciona esse colosso dos bens de consumo com faturamento de 50,8 bilhões de dólares. "Para tocar uma empresa desse tamanho, é preciso conhecer o comportamento do consumidor, a política e os competidores em cada mercado", disse o executivo, em entrevista exclusiva a EXAME, poucos dias antes de chegar ao Brasil para uma dessas visitas de reconhecimento. "Não se consegue essa percepção lendo relatórios na sede da companhia."

Primeiro presidente "forasteiro" da Unilever desde sua criação, em 1929, Polman fez carreira na Procter&Gamble e na Nestlé, duas das maiores competidoras globais da companhia. Ao chegar à Unilever, em meio à crise financeira mundial, teve de tomar medidas impopulares, como congelar o salário dos funcionários. Problema? "Prefiro não enxergar problemas, mas oportunidades", diz ele. A seguir, os principais trechos de sua entrevista.

EXAME - Desde que o senhor assumiu, já visitou mais de 30 países. Por que essa preocupação?

Paul Polman - A Unilever tem cerca de 165 000 empregados espalhados por 170 países. Eles estão trabalhando duro para vender nossos produtos todos os dias a cerca de 2 bilhões de consumidores. Para poder tocar uma empresa de sucesso do nosso tamanho, temos de entender o que acontece nesses mercados, saber quais são as tendências no comportamento do consumidor, na política, conhecer os concorrentes. Apenas lendo relatórios na sede não se consegue ter uma boa percepção disso. Viajando por aí, não apenas posso sentir como a organização trabalha mas também consigo ver as oportunidades que temos e as prioridades que devemos ter em nosso negócio.

EXAME - Quais foram as grandes descobertas feitas durante essas visitas?

Paul Polman - Foram muitas. Estive na China há duas semanas e visitamos algumas casas de consumidores. A maneira como eles usam a tecnologia me surpreendeu. Descobri o quanto os chineses já compram pela internet. É uma constatação que certamente vai se refletir em nosso plano de negócios para o país.

EXAME - Qual a importância dos emergentes para a Unilever hoje?

Paul Polman - Atualmente, 50% de nossas vendas vêm dos emergentes. O Brasil já é nosso segundo maior mercado no mundo. É uma das operações mais bem-sucedidas da Unilever, onde temos grandes marcas, 12 000 empregados diretos e vendas de 11 bilhões de reais. Se o Brasil tem um resfriado, nosso negócio fica doente.

EXAME - O senhor vai visitar favelas no Brasil. Por que considera essa experiência importante?


Paul Polman - Temos negócios em várias categorias, de cuidados pessoais a alimentos, e dezenas de marcas no Brasil. Nossos produtos estão presentes em quase 100% dos lares brasileiros. É fundamental entendermos como esses consumidores usam nossas marcas para nos comunicarmos com eles. Além disso, o consumo no Brasil está mudando. Temos de entender essas novas necessidades.

EXAME - De que forma o consumo está mudando?

Paul Polman - Com os últimos presidentes - Lula e Fernando Henrique Cardoso -, a economia do país se desenvolveu muito bem, o que fez com que o consumo se sofisticasse. Precisamos entender esse movimento e o que ele significa para nossas marcas. A tecnologia também se expandiu rapidamente. O Brasil é um dos maiores usuários de internet do mundo, o que nos leva a crer que vai ser diferente conectar-se com o consumidor.

EXAME - O senhor é o primeiro presidente global forasteiro numa companhia que sempre formou seus executivos internamente. Por que a Unilever fez essa opção?

Paul Polman - Acho que é um sinal de confiança de que a companhia está em boa forma. Se olharmos para os executivos-chave da maioria das empresas, 80% deles vieram de outras corporações. No entanto, a Unilever é uma grande máquina desenvolvedora de talentos internos - gente como o (holandês) Kees Kruythoff, que está há bastante tempo na empresa e agora lidera a operação no Brasil. Mas às vezes é bom trazer algumas pessoas de fora, para calibrar a empresa de modo que ela continue competitiva.

EXAME - Quais os maiores problemas que encontrou quando assumiu a posição?

Paul Polman - E quais as metas traçadas para enfrentá-los? Não gosto de enxergar problemas, mas oportunidades. A maior oportunidade que encontrei quando cheguei à Unilever foi a crise econômica. Ela foi mais severa do que as pessoas estimaram e tivemos de tomar ações rápidas para melhorar as contas da empresa e sair da recessão mais fortes do que entramos. Tivemos de tomar medidas de curto prazo para controlar custos, ir em frente com uma reestruturação que já estava em curso, congelar salários, renegociar com nossos fornecedores. Ao mesmo tempo, foi preciso investir no longo prazo, aumentando o investimento em pesquisa e desenvolvimento e em propaganda. Foi um desafio conciliar curto e longo prazo.

EXAME - Congelar salários é uma medida bastante impopular. Ela ainda está em vigor?

Paul Polman - Acabamos de definir alguns ajustes em nossos salários nos países de crescimento alto, como o Brasil, por exemplo. Neste ano, também introduzimos um novo plano de salário com remunerações mais justas para recompensar o bom desempenho.

EXAME - O senhor criou os chamados "planos de ação de 30 dias" para marcas ou produtos problemáticos. Como isso funcionava?


Paul Polman - No novo ambiente que surgiu, tivemos de nos tornar mais rápidos. Criamos os planos de ação de 30 dias para olhar para todas as áreas em que tínhamos problemas ou oportunidades. A ideia era encontrar soluções e alinhar a organização para colocá-las em prática em um mês. Isso criou um senso de urgência que eu achava necessário. Aliás, mesmo depois da crise, mantivemos essa tática funcionando.

EXAME - Algum desses planos foi executado no Brasil?

Paul Polman - Sim. Nosso negócio de produtos para cabelos estava um pouco adormecido no país. Foi quando decidimos lançar a linha de xampus Seda em cocriação com os cabeleireiros. É um produto que está indo muito bem.

EXAME - Desde que chegou ao comando da Unilever, o senhor trocou quase um terço dos principais executivos. Por quê?

Paul Polman - Muitas das pessoas escolhidas por mim já estavam na Unilever. Promovemos pelo menos 20 executivos em diversos países para alguns desses postos-chave e trouxemos de fora quatro ou cinco pessoas. A organização precisava de profissionais certos nos lugares certos para poder entregar os resultados dessa nova agenda ambiciosa de crescimento.

EXAME - Foi mais fácil tomar essas decisões sendo um forasteiro?

Paul Polman - Se você vem de fora, pode não ter um bom entendimento de quem são os melhores talentos. Por isso, é preciso conversar com muita gente para entender a fortaleza e a fraqueza de cada um. E isso pode levar algum tempo. O fato de eu viajar muito também me dá a oportunidade de conhecer e trabalhar diretamente com várias pessoas. Todos os dias, tenho encontro com alguém do nosso grupo de 100 executivos top. Em contrapartida, em alguns aspectos é um pouco mais fácil tomar essas decisões se você vem de fora, porque não é influenciado pelas emoções e pelas amizades.

EXAME - Como o senhor fez para conhecer os executivos-chave?

Paul Polman - Criei uma diretoria estendida, chamada CEO Fórum, com cerca de 30 executivos top, que se reúnem algumas vezes no ano - além dos 12 que compõem a diretoria e que se falam toda semana.

EXAME - Nos últimos anos, a Unilever tem adotado um discurso de preocupação com a sustentabilidade. O que de fato vem sendo feito nesse sentido?


Paul Polman - Já diminuímos o consumo de energia em 40% e a emissão de gás carbônico em 60% nos últimos dez anos. Assumimos o compromisso de, até 2015, usar apenas óleo de palma sustentável (proveniente de fontes certificadas) em nossos produtos. Hoje, a devastação de florestas no Sudeste Asiático para obtenção do óleo de palma é responsável por 20% do aquecimento global. Outro exemplo ocorre com produtos como o Omo. Estamos introduzindo um detergente mais concentrado, que utiliza menos água. É um exemplo de como podemos crescer usando menos recursos.

EXAME - Os consumidores de países emergentes estão tão preocupados quanto os europeus em relação a esse tema?

Paul Polman - Eles estão mais preocupados. Fiz uma pesquisa para um dos painéis do World Economic Forum, e os países onde a preocupação com o meio ambiente está em níveis mais elevados são China, Índia e Brasil. Não se subestimem. O Brasil, por exemplo, tem uma indústria de biocombustíveis muito bem desenvolvida. Por isso, acredito que o consumidor brasileiro quer bons produtos, por bons preços, mas também quer ter certeza de que eles estão sendo entregues de forma ambientalmente sustentável.

Fonte: Portal Exame

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