sexta-feira, 3 de setembro de 2010

Analfabetismo funcional: a vez do digital

Qual será a parcela da população que mal sabe ligar o computador e só usa o celular para fazer e receber ligações? Esse perfil, que não domina as novas tecnologias, certamente compõe um novo tipo de analfabeto

Por Jack London*

O Instituto Paulo Montenegro, instituição ligada ao Ibope, publicou recentemente pesquisa sobre um tema que é tratado com muito constrangimento por certas áreas da comunicação: o número de brasileiros que, apesar de constarem nas estatísticas nacionais como alfabetizados, são na verdade analfabetos funcionais, ou seja, não são capazes de realizar, em sua plenitude, qualquer função ligada à leitura ou à escrita, à exceção da assinatura do nome e da identificação.

Oficialmente, temos ainda 9% de brasileiros analfabetos, o que em si já é um péssimo resultado, um dos piores da América Latina, onde vários países já erradicaram essa carência.

No entanto, espanta a quantidade de brasileiros incluídos na categoria de analfabetos funcionais: 34% do total de nossa população. Significa dizer que um em cada três brasileiros não lê e não escreve, não porque não quer - por uma opção por outros afazeres - mas simplesmente porque lhe faltam os instrumentos básicos para essas duas práticas.

Ler e escrever são práticas como o andar, o caminhar, e a ausência do hábito ou costume atrofia os membros e imobiliza o caminhante.

Com relação ao analfabetismo, há programas regulares de aprendizado instituídos por governos , ongs e empresas, mas não consigo me lembrar de nenhum programa dedicado a essa parcela da população, que representa um problema muito mais grave, pela dimensão de sua presença.

Quando se tenta formatar programas de crescimento do hábito de leitura, sempre levamos em consideração o limite dos analfabetos, o que é um erro, pois, para efeitos práticos de cidadania, pouca diferença há entre os dois grupos mencionados.

O conceito de analfabetismo funcional é uma categoria claramente formulada, e seus contornos podem ser encontrados na Wikipidea ou em qualquer outro instrumento de consulta.

Levanto aqui uma nova preocupação: com os mais de 70 milhões de brasileiros que já acessam hoje a internet de maneira regular ou ocasional, será que já não temos hoje uma nova categoria, a dos analfabetos digitais funcionais? Dos 190 milhões de celulares existentes no Brasil, quantos são usados apenas para receber ligações, ou apenas para realizar ligações, sem que o usuário se utilize de dezenas de outros inputs (linguagens) existentes em cada aparelho?

Que nome se dá a um usuário da internet que realiza apenas e simplesmente operações repetitivas e muitas vezes monossilábicas nos mesmos espaços da rede, sejam eles sites, blogs, microblogs ou ainda apenas sites de vídeos ou peer to peer?

Já sabemos quantos brasileiros ainda estão fora do mundo digital: cerca de 50% dos maiores de 12 anos, sem levar em conta o uso de celulares.

Qual será o número dos analfabetos digitais funcionais? Será que essa deficiência se repete no mundo virtual com a mesma intensidade do mundo físico? Quem se habilita, desde já, a formular com rigor sociológico esse novo conceito, e quem se habilita a mensurar esse novo universo, certamente já existente e que dificulta muito a contratação de mão-de-obra qualificada por parte das empresas.

Levanto a bola e deixo-a no ar, para que sociólogos, jornalistas, editorialistas e institutos de pesquisas aprofundem o tema com exatidão.

Plenitude é sempre uma quimera, na maioria das vezes inalcançável, mas não custava nada um esforço para não deixarmos a história se repetir tristemente, mais uma vez.

Um velho ditado brasileiro define de maneira muito adequada certas relações de trabalho, quase sempre desleais, de parte a parte, entre empregados e empregadores: eu finjo que trabalho e ele finge que me paga. Será que chegou a hora do “eu finjo que sou digital e eles me deixam em paz”?

* Jack London fundou a Booknet, primeiro negócio virtual que ganhou fama no Brasil, e a Tix, empresa de comercialização de ingressos online. Agora, investe no cinema digital com a Multicine

Fonte: Pequenas Empresas Grandes Negócios

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