R: Não, essas relações são técnicas e insignificantes no custo e no valor
Conversas de cafezinho são pura perda de tempo? Não é o que pensa um dos mais importantes pensadores da chamada sociologia do trabalho. Para ele, flanar pela empresa é uma das formas mais eficientes de assegurar a produtividade
por Paulo Salvador*
Conheci Norbert Alter, 58 anos, em uma aula inaugural na SciencesPo, de Paris. Logo vi que estava diante de um intelectual acessível, dono de uma narrativa que torna claro um assunto importante, mas ainda pouco compreendido: a sociologia empresarial. Seu último livro, Donner et Prendre: la coopération en entreprise (Dar e receber: o fenômeno da cooperação nas empresas, ainda sem tradução para o português), recebeu o prêmio “Livro de RH 2010”, concedido pelo jornal Le Monde. O leitor logo entenderá o motivo do seu prestígio ao ler esta entrevista exclusiva, realizada no imponente prédio da Universidade Paris-Dauphine, uma das mais importantes escolas de administração da Europa.
NORBERT ALTER QUEM É: Ph.D. em sociologia, Alter passou treze anos como executivo da France Telecom. Especializou-se em processos de inovação e de mudança nas empresas. É autor de vários livros, entre eles “Donner et Prendre: la coopération en entreprise”
O QUE FAZ: É professor de sociologia da Universidade Paris- Dauphine
O sr. afirma que há relações que vão além do contrato formal de trabalho. Poderia explicar melhor?
A ideia de base do meu livro é a de que as empresas não podem funcionar se os funcionários não cooperam entre si. Não é porque eles recebem salários e funções definidas que vão fazer corretamente suas tarefas. Para exercer bem suas tarefas, as pessoas precisam se apoiar no trabalho das outras. Eficiência pressupõe cooperação. E cooperação é propriedade dos colaboradores, não da empresa. No fim das contas, ela é doada à empresa como algo não previsto no contrato. O problema é que a empresa não sabe reconhecer esse dom [ou seja, o ato de dar] porque não é possível mensurá-lo. Porque tudo que não é mensurável não é gerenciável e o resultado é a insatisfação.
Qual a causa dessa insatisfação?
A prática de racionalização do trabalho, a chamada “taylorização”, que proíbe as pessoas de flanar pela empresa. Isso é considerado pelos dirigentes um ato pejorativo, uma perda de tempo. Mas é nesse momento que os funcionários conversam, libertam-se das regras e constroem suas redes de relacionamento. Essas redes serão úteis para alavancar projetos, ajudar outros colaboradores em dificuldades e gerar ideias. As pessoas têm necessidade de conversar fora das formalidades para que a informação circule: no café, no restaurante, entre uma reunião e outra etc. As relações pressupõem a existência de tempo e de espaço. Sem isso, o reconhecimento deixa de existir, gerando a insatisfação e o estresse.
Por que algumas pessoas se dedicam mais?
É preciso criar mecanismos que deem sentido ao trabalho. Quando damos mais do que o previsto pelas regras sociais para outra pessoa, criamos uma ligação sólida. Veja o exemplo do Natal. Dar e receber presentes nessa data tem uma importância quase funcional. Mas, fora desse período, dar e receber presentes sensibiliza o outro. Na empresa, a lógica é semelhante.
Como despertar a cooperação?
As pessoas amam fazer as coisas avançarem. Não importa a natureza do trabalho: elas se engajam. É o que se vê nas escolas de samba no Brasil. Um projeto comum aflora junto com essa emoção rara da fusão de um corpo social único, disposto a sacrificar tudo. Porque o produto final é o prazer e, sobretudo, um sentido do trabalho. Quando uma empresa atinge esse “estado social”, as pessoas não perguntam mais por que trabalham, quanto ganham ou o que vai ser de suas carreiras.
Existem indicadores para uma empresa medir o equilíbrio entre o reforço dos laços sociais e o aumento da produtividade?
Sim, mas a interpretação é difícil. Para mim, a melhor maneira de medir o clima social é circular pela empresa, conversar com as pessoas e deixá-las se exprimir. Não se pode criar indicadores para uma amizade, por exemplo. Mas podemos senti-la, experimentá-la, prová-la. O mesmo se passa com os laços sociais que se formam em qualquer empresa.
Uma empresa socialmente responsável é aquela que promove a união?
Sim. Quando o ser humano se sente humano e ao mesmo tempo social é porque ele passou a perceber que a sociedade existe. Quando saímos de uma estação do metrô em Paris, a primeira pessoa segura a porta para a segunda, e esta, por sua vez, agradece e se sente na obrigação de segurar a porta para uma terceira e, assim, sucessivamente. Quando visito empresas tecnocráticas, o que percebo são relações entre personagens, e não entre pessoas.
Redes sociais como o Facebook representam a realização da utopia dos laços sociais?
Minha resposta é simples e desagradável. Creio que essas redes sociais não são, de fato, redes sociais, e sim redes técnicas. Um sistema de troca de informações. Claro que o Facebook é importante, mas essas relações são insignificantes no custo e no valor. Em uma rede autêntica, a interação física deve ser testemunha de uma série de pequenos acontecimentos particulares. Uma relação é fruto de pequenas decisões e atitudes, como o olhar, o som, as entrelinhas e os fatos não previstos, que são únicos e nos custam tempo. O que faz a riqueza de uma relação não é o valor em si, mas o tempo que consagramos a ela e a soma dos esforços que fizemos para obtê-la. Quando damos uma joia a alguém, o efeito que conta não é a joia em si, mas o sacrifício que está por trás do objeto. Isso é o que conta. E nessas redes da internet não existem sacrifícios. Tudo é híbrido e técnico.
* Paulo Salvador é jornalista e executivo. Mora na França e atualmente está cursando seu mestrado em sociologia da empresa pela SciencesPo, em Paris.
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