segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Ovinocultura peca pela baixa produção

Volume de animais aptos para atender às exigências da indústria e do varejo é incipiente no Rio Grande do Sul


Ana Esteves

A mudança de perfil produtivo da ovinocultura gaúcha, que há algum tempo deixou de se concentrar na produção de lã para se focar na exploração da carne, tem provocado um amplo processo de transição no setor. Nos últimos tempos, esse processo tem se acelerado, em função do aumento da demanda pela carne de cordeiro, especialmente pelos consumidores do Centro e Sudeste do País. No entanto, a oferta ainda é muito baixa, o que tem gerado uma série de questionamentos sobre a urgência para a reorganização da cadeia produtiva e também de uma maior profissionalização dos criadores. “O ovinocultor precisa esquecer os tempos áureos da lã, que não voltam mais, e se adaptar àquilo que os consumidores buscam”, disse o diretor da Safra Agronegócios, Clóvis de Ávila.

Entre os principais entraves está a dificuldade de escalonar produção, ação que poderia ser resolvida com o aumento dos índices de assinalação dos animais, que hoje gira em torno de 60%, mas deveria chegar a 80%. Ou seja, de 100 ovelhas, os criadores deveriam estar tirando 80 cordeiros. Trata-se de uma prática que pode ser realizada com pouca tecnologia e com recursos não muitos caros, com base na identificação das fêmeas aptas e não aptas para reprodução, e eventual descarte, controle da fertilidade dos carneiros, e identificação de cio. “O que na época da lã era deixado de lado, precisa ser retomado com toda força hoje”, afirma o diretor técnico da Federação Brasileira dos Criadores de Ovinos Carne (Febrocarne), Nilson Missel. O especialista relembra que nos áureos tempos da lã, todas as despesas da propriedade eram pagas com o produto, que de repente desvalorizou, gerando grande desestímulo entre os produtores. “Naquela época, ninguém se importava com os cordeiros, os capões ficavam velhos produzindo lã. A realidade agora é outra”, atesta. O dirigente destaca ainda que muitos produtores, ao invés de buscarem saídas para vencer os entraves do setor, se restringem a queixas. “Se queixam do abate clandestino, do preço baixo da carne ovina, da concorrência com o Uruguai, do volume de impostos para implementar um frigorífico na região”, enumera.

O abate clandestino também á apontado como obstáculo para que a cadeia ovina efetivamente deslanche no Rio Grande do Sul. Dados da Associação Brasileira dos Criadores de Ovinos (Arco) dão conta de que cerca de 75% dos abates ainda são feitos de forma irregular, prejudicando uma maior uniformização em termos de qualidade de carne e padronização dos cortes. “É muito comum o varejo vender ovelha como cordeiro. E o consumidor que cai nessa cilada, deixa de comprar a carne, pela falta de qualidade.”

Conforme o presidente da Arco, Paulo Schwab, o mercado para o qual existe maior demanda é o de ovinos e que o Rio Grande do Sul, mesmo tendo sido um dos maiores produtores do Brasil, vem perdendo espaço para novos centros produtivos, como o do Centro-Oeste e do Norte. Conforme levantamento da Arco, o total de cabeças no Estado chega a 3,5 milhões. O dirigente destacou ainda a importância de que sejam promovidas campanhas com vistas ao incremento do consumo de carne ovina no País, que não ultrapassa 500 gramas per capita ao ano, enquanto que no caso do frango, o consumo chega a 50 quilos ao ano. “Não bastasse o baixo consumo, cerca de 60% da carne de cordeiro que chega nas nossas mesas vêm do Uruguai”, disse Schwab.

Para o presidente da Comissão de Ovinocultura da Farsul, Glênio Prudente, na época em que o rebanho ovino do Estado contava com 12 milhões de cabeças, não sofria com a concorrência de outras culturas como o arroz e a soja. “O arroz tirou o gado da várzea e o gado tirou a ovelha da coxilha”, disse. Mesmo com todas as dificuldades, o que se fala é em um processo de reconsolidação da ovinocultura no Estado, com uma gradual melhora nos preços da carne. Há pouco tempo o quilo era vendido a R$ 1,80, R$ 2,00, hoje chega a R$ 2,50 e com a proximidade do Natal pode chegar a R$ 2,75.

Escalonamento da produção garante um faturamento até 20% superior

Há quase dois anos, o ovinocultor Marcelo Grazziotin, do município de Vacaria, decidiu revolucionar seu sistema de criação de olho, justamente no aumento da demanda pelo produto. O pecuarista que antes se dedicava à criação de reprodutores passou a organizar de forma diferente o manejo com seu rebanho e conseguiu incremento de até 20% nos valores da carne. “Antes eu vendia apenas os cordeiros de refugo e trabalhava com abate informais. Mas mudei, hoje tenho escala”, diz.

Para suprir o mercado, Graz-ziotin antes vendia os animais apenas em setembro, em época de safra, pois quando entrava a lavoura de soja, ele precisava se desfazer dos animais. “Vendia tudo de uma vez só. Agora tenho que ter cordeiro todas as semanas, escalonar a época de nascimento que fixei em três períodos, com diferentes sistemas de terminação”, explica.

Para vencer a dificuldade de colocar o produto no mercado, o criador se integrou à Associação dos Produtores dos Campos de Cima da Serra (Aprocima) e hoje seu produto é comercializado em municípios como Antonio Prado, Caxias do Sul, Nova Petrópolis e Imbé.

Entre as modificações está também a padronização do rebanho, com a opção apenas por Ile de France e Texel, que são raças de carne mais pesadas e com mais volume de músculo, o que agrega valor ao produto. O diferencial, segundo o produtor, reside também no fato de os cortes serem selecionados e mais sofisticados.

Além disso, o sistema de produção passou a ser mais intensivo, com áreas de campo menores, com ovinos mais agrupados. Mesmo com todas as adaptações, a produção não atende à demanda. A saída, conforme Grazziotin, seria aumentar o rebanho. “O problema é que alguns produtores ainda não se convenceram da viabilidade de vender todo o mês”, destaca Grazziotin.

Cordeiro certificado conquista mercado diferenciado

Uma iniciativa que neste ano comemora dez anos tem assegurado que muitos criadores gaúchos consigam colocar seus produtos nas gôndolas de alguns dos principais supermercados do Estado. Através do programa Herval Premiun, os animais passam por um processo de certificação e recebem um selo que garante a qualidade da carne, além de oferecer cortes diferenciados. “Foi-se o tempo em que se procurava paleta e quarto”, afirma o diretor da Safra Agronegócios, Clóvis de Ávila. O crescimento da demanda se observa com base no número de animais entregues ao ano que em 2000 eram de 4,5 mil e nesse ano devem fechar em 9,8 mil. Segundo ele, o sucesso do programa se deve ao criterioso método de seleção dos animais: cordeiros dente de leite, entre três a dez meses, peso vivo entre 27 quilos e 40 quilos. “A ideia é garantir qualidade para o varejo e para o consumidor.”

Fonte: Jornal do Comércio

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