segunda-feira, 9 de agosto de 2010

Ruy Leal: as faces do empreendedorismo

Caio Lauer

O brasileiro tem a alma empreendedora? Isso é realmente verdade ou não passa de um mito? Para falar sobre essa e outras questões ligadas ao tema, o entrevistado dessa edição do Carreira & Sucesso é Ruy Leal, autor da obra “Superdicas para Empreender seu Próprio Negócio”, traduzida e distribuída para todos os países de língua espanhola. O executivo atua há mais de 30 anos no trabalho de capacitação de jovens para o ingresso no mercado de trabalho e na orientação de profissionais de Recursos Humanos e educadores.

Ruy também é fundador do Instituto Via de Acesso, organização não governamental que atua na inserção de jovens em empresas de todo o país, com oferecimento gratuito de cursos, palestras e workshops.

Boa leitura!

Há bastante tempo você atua com a capacitação e inserção de profissionais no mercado, mas é formado em publicidade e marketing. Como foi o início da sua carreira?

No início, queria ser engenheiro e cheguei a fazer cursinho específico para tal. Gostava também de desenhar, e um dia passei em frente a uma agência de publicidade, entrei por curiosidade e mostrei minhas ilustrações. Eles gostaram do que eu fazia e me convidaram para trabalhar lá. A partir disso, vim do interior do estado de São Paulo para a capital com o intuito de estudar Publicidade e Marketing.

Eu precisava trabalhar para me sustentar, pois vim de família pobre, e comecei a exercer a profissão de bancário. Logo depois, consegui atuar com publicidade desenvolvendo embalagens e ingressei na Fundação de Tecnologia Industrial, na época, vinculada ao Ministério da Indústria e Comércio – hoje não existe mais.

E como aconteceu o salto para começar a atuar com capacitação de profissionais?

Quando entrei nessa área, foi para fazer publicidade e propaganda. Cheguei a montar um escritório onde atuava com o desenvolvimento de material de comunicação, jornais internos, entre outros. Mas então fui me engajando mais nas atividades ligadas à divulgação, contato e atendimento aos clientes e peguei gosto para entender mais sobre mercado de trabalho e educação, e fui me especializando. Inicialmente com estágios, depois com integração de trainees e mais tarde com o projeto de desenvolvimento de jovens para o mercado de trabalho. Em 2003, fundei o Instituto Via de Acesso.

Por que decidiu escrever uma obra com o tema ligado ao empreendedorismo?

Uma boa parte dos jovens, ainda que inexperientes, querem montar o seu negócio. O Via de Acesso também tem essa responsabilidade de apresentar para os jovens, no momento que são preparados para o mercado de trabalho, essa alternativa de passar conteúdos importantes se tiverem boas ideias e propostas de iniciar um projeto. Abrir um negócio próprio é uma forma de se inserir no mercado.

E para profissionais mais maduros, o livro também traz conhecimentos?

Com certeza. A obra é destinada a um público mais abrangente, porque no Via de Acesso, que oferece cursos, palestras e workshops, todos gratuitos, observamos que pessoas de variadas idades participam dessas atividades. Observei que o foco do “Superdicas para Empreender seu Próprio Negócio” não deveria ser apenas no jovem. Também teria que servir para pessoas que querem se encontrar novamente no mercado. Além disso, coloquei no livro a minha experiência como empreendedor social.

Essa obra foi traduzida e distribuída para todos os países de língua espanhola. Você esperava tamanha repercussão?

Não. Esse livro foi apresentado na feira literária de Frankfurt e lá foi adquirido pela Editora Panamericana, da Colômbia, que assumiu o compromisso de editar para todos os países que falam o espanhol – são em torno de 30 países. Nesses casos, ele leva o nome de “Administre com eficacia su proprio negocio – Visión y Futuro”. Inclusive, já foi solicitada tradução na Rússia e Turquia.

Falando do tema principal do livro, como nasce uma atitude empreendedora?

Atitude empreendedora é importante, mas pode ser algo inato ou pode ser algo vindo da aprendizagem. No Brasil, 70% das pessoas, em média, empreendem por necessidade e falta de alternativa. O restante é por oportunidade. É uma dicotomia permanente no meio social. Muitos tem uma ideia e uma proposta de negócio e vão lutar por ela. A internet, atualmente, é um mundo de inspirações que faz as pessoas empreenderem por oportunidade.

Mas temos um universo muito grande de empreendimentos mais tradicionais, que, muitas vezes, é criado com base na falta de alternativas. O profissional domina um determinado conhecimento ou técnica e parte para aquele negócio. Mas partir para essa empreitada exige determinados conhecimentos e capital financeiro e de relacionamento.

O brasileiro é empreendedor por natureza?

Existe o mito de que somos mais empreendedores que outros povos. Mas não é. Se temos muitos brasileiros abrindo seu negócio, a maioria o faz por necessidade, mesmo. Ao contrário de países do primeiro mundo onde muita gente abre negócios com base em ideias novas.

Há outra camada de empreendedores que sempre trabalharam como empregados, mas foram se preparando para serem empresários. Tem gente que sempre se acostumou a trabalhar em organizações, mas vai construindo a ideia no ponto de vista financeiro, de relacionamento e do conhecimento do negócio.

Que dicas você dá para pessoas que já possuem seu empreendimento mais querem se profissionalizar mais?

Primeiro, atualização constante. Se a pessoa já está no mercado há algum tempo, sabe que existe o processo do nascimento, maturação e envelhecimento. Tem que dar a vida mais longa possível para a atividade que desenvolve se modernizando e criando mecanismos novos para sempre cultivar a inovação. Quem é empresário sabe que jamais pode dizer que é dono do próprio nariz. É necessário ter a consciência que deve possuir habilidades fundamentais e isso só sabe quem faz. A visão que a pessoa tem como empregado é muito diferente da postura do empreendedor. O ângulo é outro porque, como empresário, passa a ter preocupações que como subordinado não existem. E não apenas responsabilidades de pagar contas, por exemplo, mas a carga de alguém depender daquilo que o dono do negócio executa.

O empreendedorismo pode ser considerado um fator relevante na criação de postos de trabalho?

Uma faixa da população vai chamar para si a solução que precisa junto ao mercado. Uma boa parcela dos negócios morre no primeiro ano de existência, e a maioria não sobrevive até o quinto ano de vida. Empresas que passam desse período, normalmente perduram.

Então, por uma decorrência natural do crescimento do negócio, irá oferecer oportunidade de emprego para outras pessoas. É um ciclo virtuoso.

Com o crescimento da economia do país, o empreendedorismo é uma boa opção realmente ou deve haver cautela?

Tudo que é extremo é perigoso. As pessoas não podem pensar que, porque o país está crescendo economicamente e sustentável, vai abrir um negócio com 100% de êxito. Como também não deve se retrair, não praticar suas ideias inovadoras, em situações em que há uma crise.

Se o profissional tem alguma coisa nova para apresentar e sabe que possui público consumidor para tal, é indiferente se a economia está em alta ou em baixa. Mas a partir do momento que abrir o negócio, tem que fazer valer o investimento. Existe a família e as pessoas que tocarão juntamente empreendimento envolvidas nesse compromisso.

Já vi muito negócio fechar, e que estava indo bem. A pessoa tem um sucesso inicial, se acomoda, e nem comparece mais ao empreendimento para verificar o que está acontecendo. Deixa tudo na responsabilidade dos funcionários. Isso é bem arriscado.

Existem negócios mais ou menos rentáveis?

Não se pode abrir negócio por modismo. É igual a escolha de uma profissão, que pode estar em voga no momento, mas após um período, o mercado não exige mais a atividade.

O profissional deve criar um empreendimento porque gosta, entende, domina aquilo e tem uma ideia nova. Não existe o “ganhar dinheiro” porque está na moda. Se há sucesso, é porque executa bem.

Seu trabalho também é destacado por conta das atividades realizadas com jovens, dentro do próprio Instituto. Conte um pouco dessas ações.

Tinha dois projetos em mente antes de criar o Via de Acesso. Um deles era uma editora, e o outro era uma ONG que pudesse faz um trabalho diferente na questão do jovem no mercado. Criar alguns mecanismos mais modernos, mais atuais e comprometidos de preparação desse iniciante de forma adequada, que seguisse determinadas linhas de trabalho para que o empregado e a empresa que o absorvesse pudessem ter uma chance maior de dar certo.

O Instituto Via de Acesso foi criado seguindo dois pensamentos: o de que o jovem não conhece o mercado de trabalho – é um mundo desconhecido para a maioria deles -, e de que as empresas não conhecem as melhores práticas para trabalhar com esses iniciantes. Considerando essas duas premissas, fundamos o Instituto dentro da ideia que teria que ser uma ONG, e não uma agencia de RH. Eu não queria transformar uma situação que, para mim, é muito mais social, em uma de negócios.

Fonte: Jornal Carreira & Sucesso

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