terça-feira, 5 de abril de 2011

Defesa Civil indefesa

O risco de ocorrer eventos extremos ligados ou não a mudanças climáticas está cada vez maior. O fortalecimento dos órgãos de defesa civil por todo o planeta deve ser prioridade máxima de qualquer nação preocupada com o destino feliz de seu povo.

Desastres naturais voltam quando os esquecemos.

Torahiko Terada

Em meados do ano de 1940, a Força Aérea Alemã iniciou intensos bombardeios a alvos civis britânicos, durante a II Guerra Mundial. A partir desse triste evento, autoridades inglesas padronizaram um conjunto de procedimentos para minimizar o número de vítimas. O plano ficou conhecido como Defesa Passiva e atuava basicamente em três frentes: prevenção, alarme e socorro. Nascia assim a Defesa Civil, utilizada para prevenção de catástrofes por diversos governos em todo o mundo.

A Defesa Civil é um conjunto de ações preventivas, de socorro, assistenciais e reconstrutivas. Devem evitar ou minimizar desastres de qualquer natureza, preservar o moral da população e restabelecer a normalidade social com a reconstrução dos estragos. A segurança global da população é dever de Estado, direito universal e responsabilidade cidadã.

Dada sua magnitude, a Defesa Civil tem que ser administrada pelo poder constituído. O problema é que gestões públicas, via de regra, primam pela ineficiência da "falta de dono", subtraem informações, censuram, não têm transparência e tendem a ser autodidatas sem ter o domínio do problema, gerando insegurança popular em relação ao real status pós tragédias.

Repousa sobre os ombros de autoridades por todo o planeta a difícil tarefa de estruturar sistemas de prevenção a desastres que funcionem. Com raras exceções, os sistemas existentes, dos mais sofisticados aos mais simples, emitem diversos sinais de alerta que em sua imensa maioria são ignorados ou se perdem nos descaminhos da ineficiência da gestão pública. A ONU desenvolve uma plataforma global de ações para redução de riscos desde a Conferência Mundial sobre Redução de Desastres, realizada no Japão em 2005, que produziu o relatório denominado Hyogo Framework for Action 2005-2015.

Risco é sinônimo de imprevisibilidade, incerteza e conhecimento restrito de causas e efeitos. Quanto maior o risco, maior o dano físico, político, econômico, social, ambiental e humanitário envolvido. A gestão de riscos de desastres naturais e climáticos, não é tarefa fácil pela sua própria dimensão e complexidade. O Japão, apesar da triste tragédia recente de terremoto, seguida de tsunamis e do acidente nuclear de Fukushima, é o país mais preparado no mundo para combater esses tipos de tragédia. Conseguiu logo após ter detectado o tsunami, avisar a população sob risco por todos os meios disponíveis, inclusive celulares e redes sociais, e com isso evitar uma tragédia ainda maior.

Os institutos de meteorologia, juntamente com todos os que conseguem calcular o nível de rios, oceanos e outras medidas que possam resultar em catástrofes, precisam estar preparados para identificar riscos e passar alertas de emergência. De outra parte, defensores civis precisam estar aptos a receber esses avisos e agir rapidamente em cada caso, por todo entorno dos riscos. No atual estágio de desenvolvimento tecnológico mundial existem instrumentos que possibilitam reduzir substancialmente a intensidade dos desastres e aumentar o nível de segurança global da população envolvida, por um custo muito inferior ao da corrida armamentista. Além do conhecimento meteorológico, as tecnologias existentes permitem também conhecer as condições geológicas de regiões com relevo que oferece algum grau de risco, por meio de cartas geotécnicas que mapeiam as condicionantes geológicas locais e fornecem parâmetros para auxiliar o planejamento da ocupação e uso da terra.

Não cabe discutir se alguns eventos extremos são ou não produto da intensificação das mudanças climáticas por ações humanas. Seja qual for a razão, os últimos 10 anos estão entre os 12 mais quentes da história do planeta, de acordo com a Organização Meteorológica Mundial. Em 2010 houve o maior inverno dos últimos 20 anos no Hemisfério Norte; enchentes recordes no Sri Lanka, Filipinas, Indonésia, Brasil (Rio de Janeiro), Austrália; chuvas intensas causadas por monções de verão na Índia e Paquistão; onda de intenso calor com muitas mortes na Rússia; seca brutal no Rio Negro; clima excepcionalmente quente na África, Groenlândia, Canadá Ártico e Sul e Oeste da Ásia. O ano atípico em relação a variações do clima provocou 950 desastres (90 % deles associados a eventos climáticos extremos como enchentes e variações de temperatura); 296 mil mortos; 208 milhões de afetados; e U$ 130 bilhões de gastos com remediação. Ou seja, o sistema climático exibiu em 2010 sua aguda polaridade e foi uma das causas principais do aumento recorde nos preços dos alimentos, que provocou a revolta do paupérrimo povo egípcio contra seu presidente ditador, ora deposto.

Um monitoramento de prevenção exemplar é o Centro de Advertência de Tsunami para o Pacífico, da Administração Nacional de Atmosfera e Oceanos (NOAA, na sigla em inglês). Com sismógrafos e marégrafos, aparelhos que registram ondas sísmicas e fluxos e refluxos das marés em um determinado ponto da costa, respectivamente, calcula-se com precisão o tamanho das ondas e a área que pode ser atingida por tsunamis. Um sistema de alerta de sirenes em algumas praias da Indonésia e da Tailândia também serve para alertar a população do iminente perigo e que deve-se buscar um abrigo seguro, seguindo as rotas de evacuação de emergência já definidas pela Defesa Civil. No Havaí, há uma interação com o serviço de monitoramento norte americano capaz de fazer com que as autoridades locais prevejam dia e hora exatos da próxima erupção de vulcões como o Kilauea, um dos mais ativos da região e em atividade permanente desde 1983. Além disso, um mapeamento das áreas mais baixas da ilha que podem ser afetadas por uma erupção e, com alto nível de precisão, permite a remoção imediata dos moradores em risco.

No Brasil o Sistema Nacional de Defesa Civil - Sindec infelizmente não consegue cumprir com eficiência tarefas de prevenção e alarme. Sem mapas detalhados das áreas de risco, sem esclarecimento e treinamento da população e sem sistema eficiente de alertas preventivos, a Secretaria Nacional de Defesa Civil - Sedec limita-se a agir depois da tragédia. Chega apenas para socorrer as milhares de vítimas que escaparam com vida e contabilizar as centenas de corpos dos que não tiveram a mesma sorte. O CREA do Rio de Janeiro divulgou um estarrecedor estudo, dando conta que a tragédia das serras fluminenses poderia ter 80 % menos mortes se os sistemas de prevenção existentes funcionassem a contento.

A fim de não mais se repetir todos os anos, após as chuvas de verão, as imagens inefáveis de destruição, o Sindec não pode atuar somente em medidas paliativas e emergenciais. É um absurdo que o Brasil, com apenas um perigo natural para administrar, não consiga fazê-lo. O país não se assemelha a países como Bangladesh, Japão, Austrália, Indonésia ou Tailândia que lidam amiúde com enchentes, ciclones tropicais, terremotos e tsunamis, eventos mais devastadores e fatais que as enchentes brasileiras. Os desastres naturais mais prevalentes no país são Região Norte - incêndios florestais e inundações; Região Nordeste - secas e inundações; Região Centro-Oeste - incêndios florestais; Região Sudeste – deslizamento e inundações; Região Sul – inundações, vendavais e granizo.

A Sedec conta com apenas 110 funcionários no mapeamento de riscos, enquanto os Estados Unidos têm cerca de 3000 homens só para cuidar da segurança de seu presidente, que ficou apenas dois dias no Brasil, mas seu aparato de seguranças chegou 30 dias antes para planejar toda sua estadia em segurança máxima. Essa comparação escancara o abismo existente entre um país rico e outro dito emergente. Demorou quatro anos (entre 2004 e 2008), para que a Sedec mapeasse as áreas de risco em apenas 44 cidades – menos de 1% dos 5.560 municípios brasileiros. Destes, somente sete receberam efetivamente algum tipo de recurso para obras de prevenção a desastres.

O Conselho Nacional de Defesa Civil - Condec, outra entidade do Sistema Nacional de Defesa Civil, criado em 1988 para elaborar diretrizes, está há seis anos sem aprovar nenhuma resolução. Do total de municípios brasileiros, apenas cerca de 1000 têm organizações de Defesa Civil, ou seja, de cada 5 municípios, 4 estão com sua sorte lançada ao léu. Outro dado assustador: somente 74 municípios brasileiros (1,3 % do total), entregaram ou finalizaram Planos de Redução de Riscos, que são mapeamentos das áreas com maior possibilidade de incidentes provocados por catástrofes naturais. Não há planos, não há projetos.

A tragédia na Região Serrana do Rio de Janeiro serviu para evidenciar deficiências crônicas do Sindec. Já as tempestades que atingiram três estados da Austrália – as mais fortes em cinco décadas – numa área equivalente ao tamanho da Alemanha e França somadas, afetaram milhões de pessoas e deixaram apenas 32 mortos em dois meses de alagamentos. A Defesa Civil australiana é uma das mais eficientes do mundo. Agiu com rapidez tanto na prevenção como no alerta e socorro após o desastre, ao executar protocolos e rotinas de segurança exaustivamente treinadas. Estradas foram fechadas e famílias foram retiradas das áreas de risco com antecedência, ações preventivas que pouparam muitas vidas. O número de vítimas na Austrália não se compara com as cerca de 1400 vítimas fatais no Rio de Janeiro, em apenas oito dias de chuva.

O Estado do Rio de Janeiro tem uma história de eventos extremos desde 1966. Em Niterói a prefeitura estava informada, havia seis anos, por um estudo do Instituto de Geociência da Universidade Federal Fluminense, dos riscos com a ocupação desordenada de topos de morros e encostas. Em 2007 a mesma instituição alertou para 142 pontos de risco em 11 regiões – cinco das quais foram fortemente atingidas pelos deslizamentos do início de 2011.

O despreparo brasileiro para lidar com catástrofes é evidente nos diferentes níveis do governo. As autoridades constituídas devem estruturar um sistema nacional de prevenção contra desastres naturais, a começar pela construção de uma central de gestão de riscos, algo que o Brasil nunca teve, apesar de compromissos assumidos formalmente em 2005 por Lula. As razões para a ineficiência do modelo são muitas, mas estão principalmente ligadas a dois dos mais enraizados e revoltantes vícios da máquina estatal brasileira: o apadrinhamento dos "amigos do poder" e a alocação política de verbas. Uma auditoria do Tribunal de Contas da União nas despesas do Ministério da Integração Nacional, que abriga a Defesa Civil, mostra que, entre 2004 e 2009, os recursos destinados à prevenção de desastres naturais somavam 934 milhões de reais. Somente 356 milhões de reais foram realmente utilizados, e desse montante, 37% destinaram-se à Bahia. Por coincidência, entre 2007 e início de 2010, o ministro da pasta era o baiano Geddel Vieira Lima. A absoluta falta de projetos fez com que a liberação de recursos emergenciais fosse 13 vezes superior ao disponibilizado para prevenção no ano de 2010.

Mas há luzes no fim dos túneis do Rio de Janeiro, onde desenvolveu uma parceria entre o poder público municipal e a IBM para construir o Centro de Operações da Prefeitura. Trata-se de um modelo conceitual de cidade inteligente, inspirado na NASA, para propiciar qualidade de vida aos cariocas. É o mais avançado centro tecnológico de monitoramento urbano do mundo, similar aos que estão em funcionamento em Nova Iorque, Paris e Madrid. O local, repleto de imagens, é um complexo sistema de informações integradas e interligadas, onde estão presentes 30 órgãos públicos e diversas concessionárias de serviços e empresas terceirizadas (defesa civil, luz, água, metrô, lixo, meteorologia, transporte público, entre outros). O trabalho coordenado e interativo desses órgãos gera dados em tempo real que são compartilhados pela inteligência do centro a fim de gerar não burocracia, mas ações planejadas de prevenção e correção de rumos da cidade maravilhosa. Sim, nós podemos! Por outro lado, o IPT divulgou um estudo de áreas de alto risco na cidade de São Paulo, onde mais de 75 % das áreas de alto risco permanecem em 2010 como estavam em 2003, ou seja, ocupadas à espera de novas catástrofes. Não, nós não podemos!

Enfrentar os efeitos trágicos de mudanças climáticas e eventos naturais extremos, para proteger as populações mais vulneráveis, deve ser prioridade máxima de qualquer nação. Não há mais espaço para não compartilhar e deixar evaporar em nuvens negras a causar desastres toda a rica tecnologia e know-how desenvolvidos pela inteligência humana sobre o modus operandi do planeta e seus complexos fenômenos naturais. Se 3000 pessoas de alto nível podem garantir a segurança física do presidente norte-americano, com um aparato tecnológico up-to-date, imagine o que pode ser feito para proteger as demais valiosas vidas humanas. Estados modernos devem identificar e monitorar áreas de risco para permitir alertas antecipados; assegurar políticas de prevenção de desastres; usar a ciência, a inovação e a educação para criar uma cultura de segurança; preparar a sociedade para lidar com desastres naturais; e não se esquecer de reduzir os fatores de risco mais evidentes.

Fonte: Administradores

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