segunda-feira, 9 de janeiro de 2012

É claro que você pode empreender


Por Raquel Marques

De vez em quando, eu leio artigos e livros e vejo cursos com a temática “quem tem perfil para empreender?”. Tenho uma teoria própria que não substituo por pesquisa nenhuma: todo mundo pode empreender. Não acredito que existam algumas pessoas aptas a se lançar neste mundão sem redes de proteção e outras que precisem restringir suas ambições e se acomodar. E, antes que você me diga que pirei, deixa eu te contar porque eu penso isso.

Em primeiro lugar, pela observação de que toda e qualquer pessoa, quando não tem a opção de um trabalho assalariado, empreende. Estou em São Paulo, a cidade dos imigrantes. Sempre que posso, ouço a história dos inúmeros imigrantes que aqui vivem e a solução que eles encontraram para sobreviver quando chegaram. Sem nenhum planejamento, sem grande capital, sem fortes ambições, tendo como primeira meta apenas sobreviver, eles se tornaram os grandes motores da cidade e do país por meio de suas iniciativas empreendedoras. E tudo isso se deu porque, em muitos casos, a única opção que eles tinham, além de ter seu próprio negócio, seria voltar para seus países de origem. E isso provavelmente estava fora de questão para a maioria deles. Além dos imigrantes, temos os migrantes e as muitas pessoas que conhecemos que, por um motivo ou outro, impedidos de alcançar um trabalho formal, encontraram na iniciativa própria a forma de sobrevivência. Se eles podem, por que nós não?

Ser empregado é muito, muito mais fácil do que ter seu próprio negócio. Uma vez contratado, é só esperar que o salário caia a cada 30 dias, tendo para isso que cumprir as tarefas que lhe são delegadas. Jornada de trabalho fixa, hora extra com adicional garantido, 13º salário, férias anuais, indenização em caso de rescisão e uma justiça que lhe restituirá qualquer uma dessas condições que não sejam cumpridas. Entramos na empresa “de mãos abanando”, sem precisar tomar nenhum empréstimo para comprar a máquina que utilizaremos, sem nos preocuparmos com as oscilações do mercado nem com a renovação do contrato de aluguel. Usando nossa força física e inteligência, nossa zona de conforto em habilidades, teremos a remuneração combinada em nossas mãos. E sem esquecer o que eu disse: se alguma condição a favor do funcionário falhar, haverá a justiça para restituir isso.

Essa é a regra do jogo, e não estou aqui para discutir o contrato social entre patrões e empregados. Mas, com isso em uma mão, quem tem coragem de se lançar no desconhecido, assumir dívidas para começar a trabalhar, não saber qual será sua remuneração ao final do mês, abrir mão de férias e 13º salário e, com tantas incertezas, ainda contratar funcionários oferecendo a eles garantias que não tem nem para si? É, dá medo. É, parece perigoso. Sim, é arriscado. E essa diferença nas condições para empreender frente às condições para ser empregado faz com que muitas pessoas prefiram continuar no guarda-chuva da certeza. Ou, como diz Maria Carol, tornem-se viciados em holerite. Esse vício é tão forte que decidimos sufocar desejos e sonhos, vocações ímpares e visões inovadores em troca de uma quantia garantida no final do mês. Um dinheiro que nos permite consumir uma série de produtos ou serviços que façam esquecer que nossas vidas não fazem muito sentido, consumo esse também conhecido como “conforto” ou “bom padrão de vida”.

Então não vejo a decisão de empreender como dependente de alguma característica inata, alguma condição intrínseca, algum traço do destino ou alinhamento dos planetas. Empreender é a decisão tomada quando o desejo de realizar sua visão e trilhar seu próprio caminho ultrapassa todas as desvantagens percebidas por abrir mão da proteção. Quando a pessoa se dispõe a abrir mão de tudo, tudo, tudo para alcançar seu sonho. Quando o compromisso maior é com o trabalho em que a gente acredita, e não com o carro, com o plano de saúde, com os finais de semana sagrados, o nome limpo, a roupa de grife, as férias e a casa na praia. Quem empreende está disposto a abrir mão de tudo isso temporariamente, se essas forem provações necessárias para a realização do seu plano. Para essas pessoas, não existe a possibilidade de desistir, voltar atrás, viver de outra maneira.

O que eu quero dizer com tudo isso é que as condições para empreender não estão fora de você nem nos seus genes, não é algo que esteja além do seu controle. Abrir seu próprio caminho é uma decisão que surge no coração e, no dia em que você decidir, em que não houver nada mais importante do que ouvir esse chamado, e der os primeiros passos nessa direção, parabéns, você terá se tornado um empreendedor.

Raquel Marques tem uma história como sócia em duas empresas. Seu desafio é equilibrar as demandas de família e a SocialBureau, que é financiada por bootstrapping, ou seja, somente por seu fluxo de caixa

Fonte: PEGN

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